Servidores da Januário Cicco denunciam falta de procedimento e perseguição sindical
Natal, RN 21 de mai 2024

Servidores da Januário Cicco denunciam falta de procedimento e perseguição sindical

26 de setembro de 2023
6min
Servidores da Januário Cicco denunciam falta de procedimento e perseguição sindical

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Principal maternidade do Estado e referência para a formação de estudantes universitários da área da Saúde, a Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC) enfrenta a resistência de servidores. Os funcionários denunciam a falta de diálise à beira leito para as mulheres internadas que, sem o tratamento, tiveram uma piora no quadro - com registro de óbito -, e a perseguição contra uma dirigente sindical por protestar contra a gestão da unidade.A MEJC tem uma UTI especializada para o atendimento de gestantes e puérperas em estado crítico, a única do Estado, com leitos que deveriam disponibilizar aos pacientes diálise à beira leito, de acordo com a legislação sanitária em vigor. Não é o que acontece, ao menos desde 2019.Na UTI, a indicação de diálise costuma ocorrer em caráter de urgência, indicada por consequências graves da insuficiência renal aguda. Recentemente, uma paciente necessitou do procedimento e os familiares conseguiram uma medida liminar, mas a paciente faleceu antes que a diálise fosse providenciada.Mulher deixou dois filhos órfãos após morrer sem diáliseUma das afetadas foi uma mulher de 33 anos, que precisou passar por uma cesariana de emergência com 29 semanas de gestação, após uma hemorragia grave. Durante o procedimento, seus rins apresentaram paralisação e o fígado indicou comprometimento, além da pressão arterial ter ficado em níveis muito baixos.No final de agosto, em estado crítico, o quadro clínico exigia com urgência o procedimento de hemodiálise. No dia 29 daquele mês, a família conseguiu uma medida liminar em que a Justiça obrigou a maternidade a disponibilizar o procedimento. Não houve tempo suficiente. No dia seguinte, 30 de agosto, antes que a liminar pudesse ser cumprida, a mulher faleceu. Ela deixou dois filhos órfãos. “Segundo as evoluções médicas e dos exames laboratoriais, a diálise era essencial para que a paciente melhorasse seu quadro clínico, pois as demais complicações estavam sob controle alcançável. Não podemos afirmar que ela sobreviveria depois de fazer diálise, pois outros problemas poderiam surgir ou se agravar, mas certamente sua vida foi encurtada por não ter tido acesso a esse recurso”, diz André Santos, presidente do Sindicato Estadual dos Trabalhadores de Empresas Públicas de Serviços Hospitalares (Sindserh-RH).TransferênciasA equipe da UTI abriu diferentes processos internos solicitando que a gestão da maternidade providenciasse a diálise para as pacientes. No primeiro processo, que a reportagem da Agência Saiba Mais teve acesso, a gestão remete a responsabilidade ao Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL). Em outro, HUOL e Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) respondem que a diálise da maternidade não é de sua competência. Já no terceiro documento, a direção diz que o número de pacientes que necessitam do serviço não justifica um contrato.Entre 2017 e 2020, 72 pacientes foram transferidas da UTI materna da MEJC para outro local por necessidade de continuar o tratamento, segundo os documentos. Destas, 21 precisavam de hemodiálise, uma média de cinco por ano.Em 2021, quatro pacientes necessitaram ser transferidas pelo mesmo motivo e, em 2022, seis pacientes. Já em 2023, até os dados de maio, foram três pessoas que precisaram da terapia dialítica.Protesto dos funcionáriosEm setembro do ano passado, os funcionários da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que administra a Januário Cicco, fizeram uma greve por reajuste salarial e melhores condições de trabalho. Em um dos atos, a farmacêutica e diretora do Sindserh, Michelle Silva Nunes, fez duras críticas contra a gestão e à falta de oferta de alguns atendimentos.“A gente que tá dentro sabe que o compromisso com a qualidade e segurança do paciente deixa muito a desejar. Eu trabalho na UTI da MEJC. Desde 2019 estamos sem diálise na UTI da MEJC. Já encaminhamos processo no SEI [sistema interno], já encaminhamos denúncia à ouvidoria, e nada acontece”, disparou. “Todo mundo aqui viu quando a gente precisou transferir uma paciente para o HUOL, uma paciente grave, foi STTU, SAMU, para parar esse cruzamento para conseguir transferir a paciente, e a paciente foi a óbito. Um hospital ter uma UTI, fazer transferência porque não tem diálise, sendo que o maior problema do paciente crítico é disfunção orgânica, isso é uma vergonha no hospital universitário, uma vergonha”, criticou. Nunes ainda afirmou que a maternidade “não pode ser de fachada” e que “tem que funcionar para a população”. Foi o motivo para que a direção da Januário Cicco abrisse uma investigação contra a dirigente, acusando-a de “denegrir a imagem da empresa ou de seus colegas de trabalho e superiores hierárquicos”.Em 24 de fevereiro, a comissão designada para avaliar o caso considerou que a farmacêutica cometeu infração grave e sugeriu a instauração de Processo Administrativo Sancionador (PAS).Já nesta segunda-feira (25), o sindicato emitiu uma nota de desagravo em que considerou o processo de “caráter persecutório” e disse que não houve sequer o direito de legítima defesa da empregada. O texto também foi assinado pela Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).“Ao invés de solucionarem o problema [da falta de diálise], usam-se de ato de força e aparelhamento administrativo contra a fragilidade individualizada dos empregados que denunciam tais ilicitudes publicamente”, critica o sindicato.Para André Santos, presidente do Sindserh, a greve de 2022 expôs diferentes problemas sentidos na maternidade.“Também foi denunciado a falta de funcionamento do Serviço de Radiologia e Laboratório no horário noturno da MEJC e subdimensionamento de fisioterapeuta na UTI Materna e Neonatal”, disse. “A Dra. Michelle Nunes corajosamente denunciou a falta de diálise a beira do leito da UTI Materna. A administração da MEJC deveria estar focada em corrigir o problema, não em perseguir uma trabalhadora e dirigente sindical que denunciou tal ilicitude sanitária”, apontou.Procurada, a Maternidade Januário Cicco informou que os leitos de UTI da unidade estão habilitados com a anuência dos órgãos competentes, atendendo aos critérios técnicos estabelecidos.“Quanto ao procedimento administrativo, salientamos que toda denúncia deve ser apurada mediante abertura de procedimento, previsto em normativo interno da instituição, garantindo ao empregado a ampla defesa e contraditório no âmbito de processo disciplinar”, afirmou a maternidade.
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