Alimentando tubarões e adestrando jabutis
Natal, RN 20 de mai 2024

Alimentando tubarões e adestrando jabutis

15 de janeiro de 2024
3min
Alimentando tubarões e adestrando jabutis
Foto: Divulgação/Beatrice Offshore Windfarm

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"Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação…”.
Como nossos pais, BELCHIOR (1976).


Em 1976, Belchior descreve na canção “Como Nossos Pais” o vento anunciando novos acontecimentos com cheiro de nova estação. O mesmo vento que há tempos nos viu jovens reunidos na rua estampando a esperança… O vento acompanha cada possibilidade presente, observando as pessoas que vivem em seu passado e vislumbram as mudanças do futuro nos encantando com novas paixões.
Ventos que movimentam pás gigantes sopraram no Congresso Nacional no dia 29 de novembro de 2023, enquanto as comunidades impactadas pelas grandes geradoras eólicas dormiam para iniciar mais um dia de extração sustentável de recursos naturais e preservação do meio ambiente para sua segurança alimentar.
Parlamentares potiguares de esquerda e direita marcharam unidos, ombro a ombro, como soldados para aprovar um projeto de autoria de um ex-senador - condenado pelo STF por corrupção e lavagem de dinheiro - que prevê a construção de usinas eólicas nos territórios da pesca e do turismo: o mar. Os tubarões aplaudiram, pois são infindavelmente famintos devido à sua natureza capitalista e predatória. Resta aos parlamentares adestrar os jabutis do Rei do Gás.
O Palácio de Despachos de Lagoa Nova, desde 22 de setembro de 2021, quando foi assinado o protocolo de intenções para instalação do primeiro parque de geração de energia eólica no mar (offshore), aplaude os alimentadores e adestradores que ignoraram o público. Afinal, o show (de horrores) deve continuar.
Ato continuo, o decreto nº 10.946, de 25 de janeiro de 2022 - que dispõe sobre a cessão de uso de espaços físicos e aproveitamento dos recursos naturais em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore - é assinado pelo inelegível Jair Bolsonaro.
Infelizmente a velocidade das turbinas aumentou e não há nada para impedir que as comunidades tradicionais, redutos dos parlamentares de esquerda, seja a sequência do filme Bacurau.
No entanto, a resistência e a luta do Movimento dos Atingidos pelas Renováveis – MAR, criado no dia 5 de dezembro de 2023, denunciará todos, principalmente os que abandonaram as comunidades, despejadas da terra e agora do mar.
Que o vento potiguar não termine como um castigo ao brigar sem ter porquê, como diz a letra do samba de Jorge Aragão/Dida/Neoci Dias (1979), interpretado pela madrinha Beth Carvalho: não temos motivos para festejar com o sofrer e o penar desta comunidade que sempre estendeu a mão para quem lhe prometeu preservar e ampliar os seus direitos socioeconômicos e ambientais; e retribuiu com traição.

*Claudio Negrão
Mestre em Estado, Governo e Políticas Públicas pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO.
Membro do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental – Núcleo Rio Grande do Norte.
Pesquisador dos impactos dos parques de energia renovável nas comunidades tradicionais.

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