Parque em Mossoró com 270 cavernas catalogadas pode abrigar fugitivos
Natal, RN 27 de abr 2024

Parque em Mossoró com 270 cavernas catalogadas pode abrigar fugitivos

22 de março de 2024
10min
Parque em Mossoró com 270 cavernas catalogadas pode abrigar fugitivos
Caverna do Parque Nacional da Furna Feia I Foto: ICMBio

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Com o avançar das buscas por Deibson Nascimento e Rogério Mendonça, presos que protagonizaram a primeira fuga do Sistema Penitenciário Federal no dia 14 de fevereiro, uma Quarta-feira de Cinzas, da unidade instalada em Mossoró, as atenções se voltam agora para uma área pouco conhecida do grande público e, inclusive, dos potiguares, o Parque Nacional da Furna Feia, uma Unidade de Conservação Federal integral com mais de 270 cavernas catalogadas, que foram esculpidas pelo tempo há mais de 90 milhões de anos.

Deibson Nascimento e Rogério Mendonça, fugitivos da Penitenciária Federal de Mossoró I Foto: divulgação

A suspeita é que os dois fugitivos estejam escondidos em uma dessas cavernas, sendo que algumas são de difícil acesso. O Parque Nacional da Furna Feia fica entre as cidades de Mossoró e Baraúna, no interior do Rio Grande do Norte, e abrange uma área de 84,94 km² de extensão, além de outros 25.322 km² de Zona de Amortecimento, que é como os pesquisadores chamam a área de transição entre a parte urbana dos municípios e o Parque em si, que não pode ser afetado pelos impactos de desenvolvimento das duas cidades.

O Parque está localizado na Bacia Potiguar, que tem a característica de ser formada por rochas sedimentares, onde ocorre a formação de calcário e arenito e onde ficam os aquíferos que abastecem a região e reservas petrolíferas. Foi a partir da dissolução da rocha calcário pela chuva que se originaram essas cavernas, algumas com grandes dimensões e entradas suntuosas”, detalha Wendson Medeiros, doutor em Geografia Física pela Universidade de Coimbra, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

Fotos retiradas do ebook "Gestão Ambiental no Semiárido: estudos e práticas do curso de Gestão Ambiental da Uern"

Na foto A temos a “Pedra da cabeça do tubarão”; estalactites ativas e inativas na foto B; estalagmites na C; a maior represa de travertinos do estado na imagem D; uma coluna estalagmítica na E; e o “Chão de estrelas” na foto F.

Mapa de localização do Parque retirado do do ebook "Gestão Ambiental no Semiárido: estudos e práticas do curso de Gestão Ambiental da Uern"

O Sertão vai virar Mar ou o Mar virou Sertão?

Além da beleza das cavernas e de resguardar o bioma da Caatinga, o Parque também possui outra importância que precisa ser preservada. Por ser uma área sedimentar, que acumula sedimentos ao longo dos anos, suas camadas também contam a história geológica da Terra.

Nossas pesquisas tem sido muito voltadas à valoração da geodiversidade, que muitas vezes vão se mostrar pelas características do relevo, que possuem valor patrimonial. Analisamos o valor do patrimônio geormorfológico e propomos um uso turístico desse patrimônio, que é o que chamamos de geoturismo. As pessoas ficam encantadas quando veem uma geomorfologia que chama a atenção. Quem anda pela BR-304 não tem como não perceber o Pico do Cabugi, que é um elemento da geodiversidade que tem toda uma história de 20 milhões de anos, que está associada a um processo tectônico de vulcanismo no estado. Buscamos contar essa história”, explica o pesquisador Wendson Medeiros.

Fotos retiradas do ebook "Gestão Ambiental no Semiárido: estudos e práticas do curso de Gestão Ambiental da Uern"

Quando chegamos no Parque da Furna Feia temos essas rochas calcários que são o registro de que o mar já chegou aqui. São rochas que se originaram na sedimentação em mares rasos. Havia um mar aqui! Esse calcário se estende até a região próxima ao município de Apodi. Toda essa área onde há rocha calcárea é uma região onde o mar esteve presente há cerca de 90 milhões de anos. Tentamos resgatar essa história e mostrar que ela é extremamente importante porque, ao contrário da biodiversidade que, quando tiro uma árvore, desmato uma área e replanto, vou ter aquela área de novo. Na geodiversidade isso não é possível, se quebro uma roca dessas de 90 milhões de anos, não tenho como fazer ela aparecer novamente. A história geológica se perde, é como se apagasse um livro da história evolutiva da Terra”, alerta o professor Wendson Medeiros, que também desenvolve pesquisas na área de Geodiversidade, Geopatrimônio e Geoturismo e representa a Uern no Conselho Consultivo do Parque Nacional da Furna Feia.

Turismo Ecológico

Atualmente, não são permitidas visitas ao Parque Nacional da Furna Feia, que foi criado há 12 anos, mas só recentemente passou por um processo de delimitação e elaboração do Plano de Manejo, no qual ficam definidos os usos permitidos e medidas de conservação.

Porém, o Parque está passando por um processo de adaptação para ser aberto ao turismo e a estimativa é que até o final do ano três cavernas sejam abertas à visitação: a Caverna da Furna Feia, a Caverna da Furna Nova e o Abrigo do Letreiro.

Foto: ICMBio

A Caverna Abrigo do Letreiro possui inscrições rupestres, associadas ao Lajedo de Soledade, em Apodi. Em Apodi não é um parque, é protegida pela associação pela associação amigos do lajedo de soledade. A última reunião estava em andamento uma obra de acessibilidade em uma das cavernas, para garantir acesso a cadeirantes. Isso depende muito de recursos federais, políticas, de governo... isso não seria possível há um tempo, mas quem sabe se até o final do ano não fica tudo pronto”, se anima o pesquisador da Uern.

Mesmo quando as visitas forem liberadas, na área do Parque só será permitido uso indireto de recursos, sendo proibido qualquer tipo de exploração em seu interior. Será permitida apenas visitação turística ordenada, ou seja, com controle. Haverá limite de público e os guias terão que receber autorização para trabalhar no local. Atualmente, são permitidas apenas visitas com propósito de pesquisa científica. Mas, para isso, o pesquisador também precisa de autorização federal.

As cavernas se formaram pelo processo de dissolução da rocha calcária pela água da chuva.

São vazios subterrâneos, alguns com grandes dimensões, como a da Furna Feia, que dá nome ao Parque. Ela tem uma entrada bastante suntuosa, que permite a entrada de várias pessoas, e várias camadas. Nela também encontramos formas curiosas, que se parecem com coisas do cotidiano. Lá encontramos uma pedra conhecida como ‘Pedra do Tubarão’, porque parece com a cabeça de um tubarão, tendo sido formada pelo processo de esculturação da rocha ao longo do tempo, que acabou recebendo aquela forma. Na Caverna da Furna Nova, por exemplo, tem uma formação conhecida como “Chão de Estrelas”, porque o chão brilha em função do escorrimento calcítrico, além de pedras esculpidas pelo tempo no formato de cortinas”, relata o professor Wendson Medeiros.

Além das formas diferentes, pinturas rupestres e outras curiosidades, as cavernas também abrigam vida. Há presença de aracnídeos (aranhas), diferentes espécies de morcegos, alguns até hematófagos, ou seja, que se alimentam de sangue.

Cavernas garantem abastecimento

Fotos retiradas do ebook "Gestão Ambiental no Semiárido: estudos e práticas do curso de Gestão Ambiental da Uern"

Outra função importante das cavernas do Parque Nacional da Furna Feia é a proteção dos aquíferos responsáveis pelo abastecimento de Mossoró e região.

“Esse é um patrimônio pouco valorizado, não só pela beleza das cavernas e preservação do bioma Caatinga, que está bem exuberante por causa das chuvas. As cavernas também facilitam o escoamento da água da chuva para abastecer o aquífero que, inclusive, é utilizado pela fruticultura, por exemplo. Se não fosse essa geologia, sofreríamos mais em período de seca. A estrutura de rochas sedimentares permite uma rápida recarga, esse também é um patrimônio ambiental, vai além do que se pode ver. As rochas sedimentares possuem calcário em cima e arenito em baixo, tem poros que permitem armazenar água, protegendo da poluição. Além disso, a água penetra mais fácil no calcário, diferente de áreas com rochas cristalinas, de formação vulcânica, que são ígneas, duras e não permitem que água entre. Por isso que em regiões cristalinas há construção de açudes, porque a água demora a chegar no aquífero, que é profundo e, muitas vezes, salinizado. Isso não ocorre em regiões de rochas sedimentares”, acrescenta o pesquisador.

Há um conselho consultivo no qual se discute todas os encaminhamentos relativos ao Parque, com representantes de diversos segmentos da sociedade. Mossoró, Baraúnas, comunidades e assentamentos, das atividades produtivas, como agricultura e produção de cimento, além de instituições públicas e universidades. Gestão colegiada e participativa, mas a responsabilidade de fiscalização independente do Conselho e é realizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“É uma área que impacta em diversas comunidades rurais, veja que uma parte dessa área era um assentamento agrícola da Maísa. Quem não se mudou e permaneceu na Zona de Amortecimento, precisou fazer um uso mais regrado, não se permite uso de agrotóxico de qualquer jeito, nem a realização de construções sem licenciamento do ICMBio”, esclarece o professor Wendson Medeiros.

O Conselho Consultivo do PARNA Furna Feia se reúne quatro vezes ao ano, a última ocorreu em 2023 e a próxima está marcada para o dia 12 de abril, às 08h30, na Câmara Municipal de Baraúna.

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