Moradores temem espigões na Ponta do Morcego; veja como pode ficar
Natal, RN 19 de mai 2024

Moradores temem espigões na Ponta do Morcego; veja como pode ficar

8 de maio de 2024
10min
Moradores temem espigões na Ponta do Morcego; veja como pode ficar
Ponta do Morcego I Foto: Canindé Soares

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Com as mudanças aprovadas na revisão mais recente realizada no Plano Diretor de Natal (PDN), em 2022, as regras para construções na capital ficaram mais permissivas para a construção de prédios mais altos e um dos pontos mais impactados pela flexibilização da legislação é a Ponta do Morcego, localizada na Praia do Meio, uma área com algumas poucas construções que ainda garantem a vista da praia para quem passa pelo asfalto, na Ladeira do Sol. Num estudo de 2022 para conclusão do curso de Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o estudante Renê Soares traça como está atualmente e como o local pode ficar com as novas regras.

Meu trabalho foca em impactos paisagísticos e o que percebemos é que foi retirada a proteção que existia. A nomenclatura nova diz que há interesse em proteger a paisagem, massa lei não traz essa proteção. Antes havia uma espécie de cone visual que garantia a vista da praia para alguém que estivesse na altura do HUOL [Hospital Universitário Onofre Lopes] e na Ladeira do Sol, nas proximidades da Secretaria Municipal de Educação. Por essa medida teria que ser garantida a visão da areia da praia e do Forte [dos Reis Magos], que são os pontos mais marcantes da paisagem. Com a revisão do Plano Diretor, esse critério passou a ser só para o Forte, aí é que vem a questão de construir prédio de 60 metros a partir da 3ª quadra, garantindo vista para o Forte, foi o argumento utilizado para aprovação do Plano. Não sei lhe dizer qual a justificativa para isso [retirada da lei da proteção da vista para a praia]. Esse não foi um processo transparente, ocorreu durante a pandemia”, avalia o pesquisador Renê Soares.

Atualmente, o limite de gabarito para construções na 1ª quadra logo após a praia é de 21 metros; passa para 27 metros na 2ª quadra e para 60 metros na 3ª quadra. Porém, curiosamente, apesar de estar mais perto do mar e, pela lógica, ser mais baixo, o gabarito de construção na Ponta do Morcego é de 65 metros de altura (antes era de apenas 7 metros, equivalente a dois andares), sendo mais alto, inclusive, do que todas as demais faixas inseridas na Área Especial de Interesse Turístico e Paisagístico 3 AEITP 3 (AEITP-3), que abrange os bairros de Praia do Meio, Areia Preta e Santos Reis.

Visão aérea da Ponta do Morcego I Foto: Canindé Soares
Visão aérea da Ponta do Morcego I Foto: Canindé Soares
Cone de visada e gabaritos de construção na AEITP-3 I Imagem: reprodução Prefeitura do Natal
Cone de visada e gabaritos de construção na AEITP-3 I Imagem: reprodução Prefeitura do Natal

Olhando de longe, o aspecto atual da Ponta do Morcego, com alguns estabelecimentos comerciais e antigas casas de show fechadas, pode não ser dos mais convidativos. Porém, ao entrar na Rua Dr. José Augusto Bezerra De Medeiros, não é preciso andar muito para se dar conta da vista panorâmica e privilegiada do local cobiçado pelo setor imobiliário que atua na cidade.

Dona de um ponto comercial na região da Praia do Meio, uma senhora, a quem não vamos identificar na matéria para evitar exposição, conta já ter recebido propostas para vender seu imóvel. As abordagens também teriam ocorrido a outros moradores e pequenos comerciantes da região, que desconfiam que há um projeto para a construção de torres de luxo no local.

Daqui só saio para o cemitério”, conta Francisca Torres, aposentada que mora na Praia do Meio há 45 anos.

Imóveis fechados na Ponta do Morcego I Foto: Milton França
Imóveis fechados na Ponta do Morcego I Foto: Milton França
Imóveis fechados na Ponta do Morcego I Foto: Milton França

A revisão de 2022 do Plano Diretor de Natal alterou uma legislação que vinha sendo mantida desde 1987, garantindo a proteção das zonas com paisagens importantes para a cidade.

A paisagem é um bem comum, pertence a todos. Como o Plano Diretor estava, não importava qual renda a pessoa tinha, ela podia usufruir da paisagem, é algo sobre o qual não dá para auferir um preço. Quando o município permite a construção dessas torres, destrói a memória de quem morava no local, provoca mudanças em local conhecido, impacta a identidade das pessoas que moram ali e priva a paisagem para quem podem pagar por ela. Esse novo Plano deixa claro o objetivo de construir edifícios mais altos em Natal, como se isso fosse trazer mais desenvolvimento, fosse um parâmetro. Ter mais transporte urbano coletivo seria um melhor critério de desenvolvimento”, avalia o pesquisador.

Vista da Ponta do Morcego com prédios ao fundo I Foto: Milton França
Vista da Ponta do Morcego com prédios ao fundo I Foto: Milton França

Luiz Antônio, que mora na Rua do Motor, tem medo de perder não apenas a atual vista, mas também o acesso à praia.

Podemos perder o acesso à rua, além da ventilação. Quando se fala tanto em aquecimento global, se planta mais torres de concreto? Se perdermos essa vista aqui, qual será a próxima?”, questiona Luiz, que é pescador e Conselheiro do Centro Social do bairro de Brasília Teimosa.

Antes de permitir uma construção dessas, o poder público tem que consultar as instituições sérias, como a Associação de Moradores e Amigos da Praia do Meio [AMA - PM]. Nós nunca fomos chamados para participar”, critica Paulo Henrique de Lima, morador do bairro.

A revisão

Todo o processo de discussão e consultas, que é obrigatório para a revisão do PDN, foi realizado durante o período de pandemia, o que foi questionado pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, mas levado em frente pela gestão do prefeito Álvaro Dias (Republicanos), aprovado pela maioria dos vereadores da Câmara Municipal do Natal e sancionado pelo chefe do Executivo Municipal.

Os moradores da região contam que técnicos de uma empresa já fizeram uma sondagem do solo e constataram que o local não suportaria a construção das torres. Em uma das passagens pela Ponta do Morcego, constatei a existência de uma poça de água mal cheirosa em uma das extremidades da rua que dá para o mar.

Rua da Ponta do Morcego com água empossada I Foto: Milton França

Veja só, se com esses poucos imóveis isso já acontece, imagine com a construção de torres aqui. Eles não construíram ainda só por causa disso, porque precisam comprar mais terrenos para que o solo aguente a emissão dos esgotos”, estipula Milton França, professor e ambientalista, apontando para os imóveis vazios e fechados.

"O ideal é que os terrenos privados e potencial construtivo possam ser permutados com o ente municipal para a Redinha, ao lado da Ponte, onde a prefeitura tem muito terreno ainda sem afetação e onde tem grande potencial para desenvolver um Polo Turístico e Náutico e, até, maior potencial de verticalização. Queremos que a Ponta do Morcego volte a ter o gabarito de antes do novo Plano Diretor, que era de 7,5m (2 pavimentos) ou, no máximo, do dobro, que são 15m ou 4 pavimentos, com o recuo de normas mais generosos, inclusive, para segurança e adaptação à erosão costeira e o acesso público. O ideal é que a área se transforme num parque público, com atrativos que estimulem a aproximação e uso sustentável de moradores de Natal e visitantes”, acrescenta Milton.

Moradores preocupados com torres na Ponta do Morcego I Foto: Milton França
Milton (2º da esquerda para a direita) com moradores preocupados com a construção de torres na Ponta do Morcego I Foto: Milton França

Desrespeito

O estudo de Renê Soares também identificou que as regras do Plano Diretor vigentes até 2021 (ou seja, do PDN de 2007) já vinham sendo desrespeitadas, como no caso de um muro do antigo Hotel Ladeira do Sol, há alguns anos ocupado pela Secretaria Municipal de Educação, que impede parcialmente a vista da praia. Porém, com as mudanças do Plano Diretor de Natal vigentes, a questão passa a ser considerada regular.

Vista da Ponta do Morcego protegida pelo PDN de 2007 I Imagem: Renê Soares

A Agência Saiba Mais entrou em contato com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) desde o início da tarde desta terça (07), mas por uma questão de agenda, nos foi informado que o titular da pasta Thiago Mesquita, não poderia responder nossos questionamentos nesta quarta (08).

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