Número de laqueaduras de trompas é oito vezes maior do que vasectomias no RN 
Natal, RN 30 de abr 2024

Número de laqueaduras de trompas é oito vezes maior do que vasectomias no RN 

8 de março de 2023
6min

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A prática nos ensina que o peso da responsabilidade de cuidar da família recai, majoritariamente, sobre as mulheres. Com algumas raras exceções, são elas que se dedicam ao filho, companheiro ou parente que adoece, além de dar conta da vida doméstica, profissional e sentimental, simultaneamente. Uma carga que acaba resultando, também, numa maior preocupação entre elas em fazer o planejamento familiar e adotar métodos contraceptivos para evitar uma gravidez não planejada. 

É o que aponta, em certa medida, o comparativo entre o número de laqueaduras de trompas e vasectomias realizadas nos últimos nove anos no Rio Grande do Norte. Entre 2013 e 2022 foram realizadas 1.046 vasectomias pelo SUS (Sistema Único de Saúde) no estado, enquanto nesse mesmo período, 8.488 mulheres realizaram laqueadura de trompas, sendo 6.237 procedimentos feitos durante o parto e 2.251 por meio de agendamento, segundo os dados da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap). 

Quando vemos os números crus, muito mais mulheres fizeram cirurgia. Precisamos analisar essa questão em cima de fatores sociais e culturais. Culturalmente sempre ficou sobre a mulher o peso maior de realizar o método anticoncepcional, quer seja definitivo ou não. É sempre ela que tem o maior peso de faze algum método para não engravidar. A vasectomia para os homens, às vezes, é até mais difícil para conseguir do que uma laqueadura para as mulheres. Outra coisa, é pelas mulheres serem mais responsáveis pelo cuidado direto dos filhos, ela que leva a sobrecarga de mil e uma atividades no seu dia a dia”, avalia a médica, professora e Gerente de Atenção à Saúde da Maternidade Escola Januário Cicco, Maria da Guia Medeiros. 

A Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC) foi a unidade de saúde que mais realizou laqueaduras de trompas nos últimos nove anos (1.664 durante o parto e 670 agendadas), já a Maternidade Divino Amor, em Parnamirim, realizou o maior número de vasectomias entre os anos de 2013 e 2022, num total de 284 procedimentos. 

Além da questão cultural, uma outra explicação para o maior número de laqueaduras é o acesso mais difícil para os homens à vasectomia.  

No caso da laqueadura, a mulher consegue fazer na cesárea, no pós-parto, ela já está dentro da instituição, então, obviamente que o número é maior nesse contexto. Além disso, o peso maior cultural sobre a mulher é maior e existe até hoje. O homem para fazer a vasectomia precisa ir ao hospital, ficar internado, apesar de ser por um curto período de 24 horas. Se for pelo SUS ele precisa ter um urologista, que não é uma especialidade fácil de encontrar m comparação a ginecologistas e obstetras. Então, também é mais fácil ligar as trompas porque há mais profissionais à disposição”, acredita a médica Maria da Guia. 

Apesar de ser recente a mudança na lei (nº 14.443) que libera os cônjuges da autorização dos parceiros para a realização das cirurgias, na prática, já havia uma elevada procura pelas laqueaduras de trompas, ainda mais, levando-se em conta a subnotificação resultante do cadastro manual de procedimentos em um sistema que ainda não foi totalmente informatizado. 

“Os casos são subnotificados porque no Brasil, de maneira geral, sabemos o sofrimento que é alimentar os dados de serviços públicos que não têm prontuários informatizados. É tudo feito manualmente”, revela a Gerente de Atenção à Saúde da Maternidade Escola Januário Cicco.  

Desde a antiga legislação, a mulher já podia expressar sua vontade de fazer a laqueadura de trompas durante a cesárea, desde que ela manifestasse esse direito por escrito. Porém, em muitos locais não havia a prática de esclarecer a mulher sobre esse direito. 

O que acontecia é que os serviços não esclareciam as mulheres dessa necessidade, por isso, muitas não vinham com documento dizendo que queriam ligar as trompas, apesar de desejarem. Muitas vezes, o serviço de saúde se exime dessa responsabilidade. Esses 60 dias [prazo mínimo para que a mulher manifeste por escrito que quer fazer a ligação de trompas durante o parto cesareano] é como se fosse um tempo pra ela pensar, eu explico que há outros métodos, que tem o DIU [Dispositivo IntraUterino], o anticoncepcional trimestral... você oferece outras possibilidades. Mesmo assim, se ela decidir pela laqueadura, essa mulher tem que assinar o “Termo de Consentimento”. O documento explica que essa é uma decisão irreversível, que não é 100% eficaz porque 0,4% das mulheres ainda engravidam quando fazem a cirurgia. Além da paciente, dois médicos também assinam atestando que ela está consciente sobre o procedimento e, nos casos onde há uma Comissão para Laqueadura Tubárica, como é o caso da Maternidade Januário Cicco, ela passa por uma entrevista com psicólogo e serviço social”, esclarece a médica. 

Arrependimento 

De acordo com a médica, professora da UFRN e Gerente de Atenção à Saúde da Maternidade Escola Januário Cicco, o Brasil tem o maior índice de laqueadura de trompas do mundo. Cerca de 40% das mulheres em idade reprodutiva realizam o procedimento no país. Porém, entre 10 e 15% das mulheres que se submeteram ao procedimento acabam se arrependendo depois. O índice de laqueadura de trompas entre mulheres em idade reprodutiva é de 20% nos Estados Unidos e de 6% na França. 

Todo esse cuidado de conscientização é necessário porque hoje essa mulher que está grávida de um companheiro e é seu segundo ou terceiro filho, não deseja mais ter outro por causa de todas essas questões sociais, econômicas, de emprego... mas, aí acontece uma separação e ela tem um novo companheiro, que costumo dizer que é um príncipe que chega na vida da pessoa! Esse novo companheiro não tem filhos e diz: mas eu não tenho nenhum filho, quero que você tenha um filho meu. Então, isso traz uma desestabilização emocional nessa relação porque ela não pode mais ter um filho com essa pessoa, que é o amor da vida dela. Por isso o procedimento, que é definitivo, precisa ser esclarecido com dois, três profissionais de saúde, para que depois o arrependimento não aconteça, e olhe que acontece muito”, relata a médica Maria da Guia. 

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