O Future-se e a lâmpada maravilhosa
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O Future-se e a lâmpada maravilhosa

15 de outubro de 2019
O Future-se e a lâmpada maravilhosa

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Não é novidade que o Ministério da Educação lançou o programa Future-se prometendo promover maior autonomia financeira às universidades e aos institutos federais, com incentivos à captação de recursos próprios e ao empreendedorismo. Também não é nenhuma novidade que as UFs e os IFs (estes últimos, em contexto mais recente) já buscam fomentos externos, sobretudo para os seus programas de pós-graduação e projetos de inovação tecnológica e seus subsequentes acordos de transferência tecnológica e propriedade intelectual. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), as Fundações de Apoio, os fundos empresariais, entre outros, já são antigos conhecidos das instituições, programas e centros de pesquisa e inovação do país.

Também não é de hoje a triste realidade dos cortes orçamentários com os quais as universidades, institutos federais e outras agências de fomento à pesquisa e inovação vêm convivendo. As causas deste cenário estão, sobretudo, no Estado brasileiro que, historicamente, vem desobrigando-se da sua responsabilidade constitucional.

Vejamos, em que pese a Ciência ser feita por e com cientistas, o seu potencial e resultados decorrem de outras variáveis, algumas controladas pelo Estado. Quanto melhor a qualidade da educação básica e superior, mais condições teremos de evoluirmos na pesquisa e na inovação tecnológica, o que parece não ser a realidade brasileira. Muito fala-se da Coréia do Sul e da Finlândia, por exemplo, para ilustrar os resultados em educação, como se os contextos políticos, socioeconômicos e culturais fossem na mesma ordem daqueles estabelecidos no Brasil.

A desigualdade social é a palavra-chave, e talvez ponto de partida, para se analisar a questão. Falta de compromisso e investimentos na educação básica e superior também. Basta debruçarmo-nos sobre alguns estudos, tais como: Atlas da exclusão social no Brasil: dez anos depois, organizado por Alexandre Guerra, Márcio Pochmann e Ron; Trajetórias das desigualdades como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos, organizado por Marta Arretche; e Desigualdades educacionais & pobreza, organizado por Murilo Fahel e outros autores.

Também indico para reflexão o artigo Desafios da pesquisa no Brasil, publicado no periódico São Paulo em Perspectiva. Bem como o debate Desafios para a pesquisa científica: O investimento em pesquisa e inovação no Brasil, exibido pela TV Brasil.

Tentando entender e analisar o Future-se, logo me vem à imaginação a história de Aladim e a lâmpada maravilhosa. Em tempos de avanços tecnológicos, em que a informação corre tão rápido quanto o efeito da Lâmpada ao ser esfregada, creio que os encantos e poderes de um gênio - ou os ditames populistas de um grupo político - não são suficientes para transformar a realidade da educação brasileira.

Ainda é importante destacar que um programa, como parte da política pública, deve observar um ciclo ou etapas, a qual subdividimos em: agenda (momento do diálogo, dos debates); formulação (organização e preparação escrita/documental); implementação (momento da execução); e acompanhamento e avaliação (revisão e correção de rumos).

Se estamos falando da gestão pública, em que a transparência, a participação e a acessibilidade são indispensáveis, suponho que o Aladim ficar preso exclusivamente aos poderes de sua lâmpada maravilhosa - ou a canetadas palacianas -, não convêm, pois, no mínimo, estará ignorando a experiência e o conhecimento de muitas pessoas que são capazes de contribuir para o seu presente e futuro.

Ora, o discurso oficial em torno do Future-se guarda relações com o passado recente, pois na análise do liberalismo do século XIX havia preocupações educacionais no contexto de uma sociedade tecnológica que convivia com índices consideráveis de analfabetismo, cujas questões ainda se encontram pendentes nos dias atuais, em contexto neoliberal, cuja máxima e lógica não poderiam ser diferentes.

Aladim, a lâmpada maravilhosa e o Future-se não podem esquecer que o futuro é uma projeção resultante das mediações e contradições entre o passado e o presente em movimento e mutação, podendo ou não se realizar, como explicita Carlos Lucena, em Hayek, Liberalismo e a formação humana, obra publicada pela editora Alínea.

Enfraquecer as instituições de educação e pesquisa, não levando em conta as desigualdades brasileiras, certamente não garantirá um Future-se. Educação, Ciência e Tecnologia, com qualidade em todos os níveis; investimentos e financiamento; condições de trabalho, valorização e formação permanente certamente são imperativos aos avanços que o Brasil necessita para garantir melhores condições de vida para crianças, jovens, adultos e idosos.

Mesmo que nos sintamos presos na caverna – ainda para lembrar o conto –, quem sabe um gesto acidental não nos faz esfregar a lâmpada maravilhosa e ver o gênio atender às nossas demandas e às expectativas quanto ao nosso próprio futuro (e-se)?

* Márcio Azevedo é pro-reitor de pesquisa e inovação do IFRN

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