Marinho e seu mar de livros
Natal, RN 9 de mai 2024

Marinho e seu mar de livros

10 de dezembro de 2023
4min
Marinho e seu mar de livros
Reprodução de xilogravura do livro "Nau dos Insensatos"

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No distante ano de 1494, um jovem alemão chamado Sebastian Brant (1457-1521) lançou, em pleno carnaval, um livro que atravessaria os séculos: A Nau dos Insensatos. Nessa obra, retratadas de maneira incrivelmente atual, estão presentes algumas figuras alegóricas, cada uma com sua “loucura”, que embarcam juntas para uma grande viagem. O primeiro a subir no barco é justamente aquele que leva um par de óculos e alguns livros: um leitor.

Não tem como não evocar essa imagem clássica ao me encontrar com Francisco Fernandes Marinho naquela tarde de dezembro. Leitor, escritor e bibliófilo, Marinho é um simpático “louco” amante dos livros. Tal como faz desde pelo menos 1996, Marinho se prontificou mais uma vez a abrir seu acervo à visita de quem pesquisa especialmente temas voltados à história e cultura do Rio Grande do Norte, assunto sobre o qual possui em média 20 mil títulos. Fui lá em busca de livros das edições CLIMA (a editora comandada pelo jornalista e livreiro Carlos Lima que, de 1978 a 1997, publicou quase 200 títulos de autores exclusivamente norte-rio-grandenses). Encontrei 40 livros da CLIMA, o que foi ótimo para minha pesquisa, mas melhor mesmo foi me ver imediatamente embalada nas ondas das muitas histórias que Marinho tem para contar.

Ele me conta quando veio da Pipa para estudar em Natal, em 1972, e sua lembrança de referência, claro, são os livros que trazia consigo: a Carta do ABC e a Tabuada, dos primeiros estudos com a tia Isaura, e aos quais logo se juntariam a “Cartilha Upa Upa Cavalinho” e “Pedrinho e Seus Amigos”. Nem sonhava aquele menino do litoral potiguar que um dia visitaria a Biblioteca Vaticana e os arquivos secretos do Vaticano em 1990. Leitor voraz, o hábito de colecionar livros foi se aprofundando desde quando estudante do Atheneu. Foi nessa época, aliás, em que, atrevidamente, bateu na porta da Academia de Letras em busca de livros e foi recebido por ninguém menos que Manoel Rodrigues de Melo, o autor de “A Imprensa do Rio Grande do Norte (1908-1987)”.

Francisco Fernandes Marinho / Foto: cedida

Versão atualizada e legítima do sábio Calímaco, o bibliotecário da antiga Alexandria, Marinho fez parte do comitê consultivo da Biblioteca Zila Mamede e ajudou a organizar a seção de livros do RN em 1999. Mas, antes, já havia catalogado as bibliotecas do Instituto Histórico e Geográfico, de Enelio Petrovich, de Vingt-Un Rosado e de Câmara Cascudo, com quem tinha um código secreto para bater à porta sem a interferência de Dona Dália. Sem mencionar a catalogação da própria biblioteca, cujo nome – Maria Fidelis da Costa – faz bonita homenagem à avó.

O catálogo da sua biblioteca já vai para a quinta edição e nesse percurso Marinho teve que insistir muito por alguns apoios (inclusive da Coleção Mossoroense e do Senado.) Nada que um aficionado pelos livros não faria. Assim como receber leitores que buscam em seu acervo uma fonte de consulta, ainda que disso Marinho sofra o ônus dos empréstimos que vão e não voltam mais. Mas ele me conta isso sem maiores mágoas: como herdeiro, juramentado em testamento, dos livros de Monsenhor Assis, de Santa Cruz, Marinho sabe que os livros circulam de todas as formas.

Marinho, que já foi homenageado no livro de Lívio Oliveira, “Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte”, e no programa Memória Viva, comandado por Tarcísio Gurgel, é nome de indiscutível importância nas Letras do Estado e sempre é bom lembrar sua presença fundamental para a cultura potiguar. É o que penso enquanto aquela tarde vai findando. E para fechar nosso encontro, em uma brincadeira um tanto torturante, pergunto a Marinho se, caso sua biblioteca pegasse fogo, quais sete livros ele pegaria antes de fugir. Com um riso quase nervoso de quem sofre um pouquinho antes de responder, ele me revela sua lista de autores que levaria em sua nau: Nísia Floresta, Jurandir Navarro, Manoel Onofre Jr., Dorian Grey, Vingt-Un Rosado, Câmara Cascudo e Cônego Monte.

Viva Marinho e seu mar de livros! Que nos conte ainda muitas e boas histórias!

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