Seca extrema já atingiu 5 milhões de pessoas em dezembro no Nordeste
Natal, RN 8 de mai 2024

Seca extrema já atingiu 5 milhões de pessoas em dezembro no Nordeste

14 de dezembro de 2023
9min
Seca extrema já atingiu 5 milhões de pessoas em dezembro no Nordeste

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Mais de 5 milhões de pessoas já foram impactadas pela seca extrema de 1° até 13 de dezembro 2023 na região Nordeste. Os dados são do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Ainda segundo a pasta, mais de 80% das áreas de 492 municípios nordestinos foram atingidas pela estiagem registrada neste mês. O semiárido da Bahia é a região que mais preocupa, mas Tocantins, Piauí e parte do Maranhão também chamam a atenção pelas poucas chuvas registradas nas últimas semanas.

A diretora substituta do Cemaden, Regina Célia Alvalá, participou nesta quinta-feira (14), na Câmara dos Deputados, da audiência pública Seca e crise ambiental no Nordeste em 2024, proposta pelo deputado federal Fernando Mineiro (PT-RN). O parlamentar do Rio Grande do Norte é membro da comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Casa.

Segundo Alvalá, o monitoramento da seca pelo Cemaden ocorre mês a mês e até 13 de dezembro foi possível estimar o impacto da estiagem mais severa em 5.173.083 moradores da região nordestina. A seca é classificada a partir dos graus excepcional, extrema, severa, moderada e fraca. É possível acompanhar o monitoramento por municípios no portal do órgão.

Além Regina Alvalá também foram convidadas para o debate a pesquisadora em Agrometeorologia da Embrapa Semiárido Magda Soelma de Moura; o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Carlos Nobre; o representante do Consórcio Nordeste José Almir Cirilo; o técnico da Defesa Civil da Confederação Nacional dos Municípios, Johnny Liberato; além do coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro, Paulo Pedro.

A audiência pública foi motivada por informações recentes divulgadas com previsões para o primeiro semestre de 2024 de uma seca ainda mais severa que a estiagem registrada este ano, período geralmente marcado por chuvas.   

Regina Alvalá (Cemaden), Fernando Mineiro e Johnny Liberato (CNM). Foto: Vinícius Borba

El Niño

A seca de 2023 é atribuída a dois fatores principais: a permanência do fenômeno El Niño com efeitos na costa brasileira, e o aquecimento das águas do oceano Atlântico ao norte do Equador.

A partir dos dados monitorados pelo Cemaden, Regina Avalá conta que há probabilidade de chuvas no primeiro trimestre de 2024, mas adianta que o El Niño só começará a arrefecer a partir de maio do próximo ano:

“O El Nino arrefece a partir de maio, junho... mas janeiro, fevereiro e março haverá uma melhoria de chuvas para o Nordeste”.

Ainda segundo o Cemaden, há risco alto de incêndios em dois municípios, outros 139 devem ficar em alerta e 723 cidades devem requerer atenção para o problema.

Extremos climáticos

Mais cético, o pesquisador do Instituto Avançado da USP Carlos Nobre chama a atenção para o crescimento de eventos climáticos extremos no mundo e para o avanço das regiões semidesertas no interior nordestino.

“Os eventos climáticos extremos estão aumentando muito, em 2023 esses eventos bateram recordes. Tivemos recordes de chuvas no sul, super seca na Amazônia, aumento da temperatura global, esse foi o ano mais quente do registro histórico. Esses eventos extremos vêm acelerando no mundo e também no seminário”, comentou o estudioso, considerado um dos principais especialistas do país no tema.

Nas projeções dele, o período de estiagem ainda vai permanecer no próximo ano:

“Como todas as projeções indicam, em 2024 a estação chuvosa de fevereiro, março e abril também será de seca, muito pelas razões que geram a estiagem no semiárido: o fenômeno no oceano Pacífico forte, com El Niño, ou o oceano Atlântico ao norte do Equador muito quente. O El nino continuará até maio e junho de 2024”.

Desertificação

Sobre o processo de desertificação do seminário, o pesquisador afirmou que “se seguir o cenário, áreas de semideserto devem aumentar em estados como RN, BA, PI, PE entre outros”, prevê.

A maioria dos convidados citou a última grande estiagem registrada na região Nordeste, que devastou roçados e pastagens entre 2012 e 2018.

A pesquisadora da Embrapa Semiárido Magda de Moura lembrou que uma das estações do órgão chegou a confirmar 93 milímetros de chuva no pior momento da última grande seca. E para mostrar como 2023 foi ano de poucas chuvas, ela comparou com o ano anterior:

“Em 2023 tivemos menos de 300 mm de chuva, muito pouco. Só em novembro de 2022, por exemplo, tivemos mais de 200 mm”, afirmou a pesquisadora, que listou uma série de ações da Embrapa semiárido em curso para reduzir os efeitos da estiagem.

“Falta integração de ações que respondam ao monitoramento”, destaca Mineiro

Mineiro (PT) foi o propositor da audiência pública / foto: Mário Agra / Câmara dos Deputados

Na avaliação do deputado federal Fernando Mineiro, autor do requerimento que originou a audiência pública, falta integração entre as diferentes esferas dos Poderes para traduzir em ações que dizem os dados do monitoramento:

- Hoje nós temos uma retomada do monitoramento de forma mais articulada entre Governo Federal e os governos estaduais, mas falta ainda integração de ações que respondam ao que os monitoramentos têm apontado. Então precisa que o Governo Federal e os governos estaduais, via Consórcio Nordeste, busquem agir de forma mais articulada. Porque podemos ter uma seca “normal” ou podemos ter uma seca severa com os impactos que todos nós sabemos que são duros para a economia, para a agricultura familiar e, em especial, para a vida das pessoas”.  

Ele lembra que, na região do Seridó, menos de 10% dos reservatórios ofertam água de forma satisfatória:

“Está faltando água de uma maneira muito drástica, menos de 10% dos reservatórios ofertam essa água. Já estávamos tendo e teremos problema de abastecimento para consumo humano. Além de falar a segunda água para a agricultura”, comentou.

Consórcio Nordeste anuncia ações para orientar estados e melhorar abastecimento de municípios

José Almir Cirilo representou o Consórcio Nordeste. Foto: Mario Agra / Câmara dos Deputados

Até 6 de dezembro, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil já havia reconhecido a situação de calamidade pública de 359 municípios do Nordeste. Esse número, porém, já é maior, segundo o secretário de Recursos Hídricos e Saneamento do Governo de Pernambuco José Almir Cirilo. Ele representou o Consórcio Nordeste na audiência pública proposta pelo deputado Fernando Mineiro.

Segundo Cirilo, o monitor da secas, ferramenta desenvolvida pela Agência Nacional de Águas (ANA), tem sido o instrumento balizador dos estados nordestinos para a criação de políticas públicas voltadas para a convivência com a seca.  

Os secretários de recursos hídricos dos 9 estados nordestinos se reuniram há duas semanas em Recife e elaboraram uma série de ações emergenciais para abastecimento dos municípios

Entre as medidas estão o mapeamento, monitoramento e reforço das ações de abastecimento por carros-pipa; perfuração e instalação de poços a operar com energia solar; instalação de dessalinizadores a operar com energia solar; recuperação e adequação de adutoras; reativação de mananciais; recuperação de barragens; construção de barragens subterrâneas; reforço das estações de tratamento de água; ações de controle de desvios e perdas de água.

“(Temos trabalhado com) foco nas ações que os estados e suas entidades gestoras entendem que é necessário fazer para melhorar a convivência das pessoas com eventos extremos de seca. Entendemos que a situação é grave. Há uma conjunção de eventos climáticos que podem trazer uma extensão significativa de processos. Precisamos de um mínimo de antecipação entre a causa e o efeito”, explicou.

Prejuízo dos municípios com a seca chegou a R$ 150 bilhões em 10 anos, aponta CNM

Johnny Liberato representou a CNM na audiência pública. foto: Mario Agra / Câmara dos Deputados

Nos últimos 10 anos, o prejuízo econômico dos municípios do Nordeste com a seca chegou a R$ 150 bilhões. A estimativa é da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). O técnico da Defesa Civil da entidade, Johnny Liberato, afirmou que 70% desse prejuízo estimado afetou a agricultura e a pecuária.  

Nesse período de uma década, segundo ele, houve 19 mil decretações de calamidade pública envolvendo municípios do Nordeste.

“Há municípios que decretam emergência o ano inteiro e a única forma de  abastecimento é o carro-pipa. Outro problema é que a operação carro-pipa é cara, chega a custar cerca de R$ 2 bilhões por ano”..

A CNM cobra um fundo para tratar especificamente de questões como a seca e desastres. Liberato contou que enquanto as tragédias provocadas por chuvas e outras intempéries climáticas resultaram num prejuízo de R$ 586 bilhões em 10 anos, o Governo Federal repassou aos municípios R$ 25 bi no mesmo período.

“Não dá nem 1% do que foi perdido. Há Fundos criados desde os anos 1960, mas que nunca receberam um centavo de recursos até hoje”, afirmou.

ASA defende combinação de ações estruturantes e emergenciais

Para a melhor convivência com a seca, a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) defende uma combinação entre ações emergenciais, como uso de carro-pipa, com projetos estruturantes, a exemplo da construção de cisternas nas regiões mais afetadas pela estiagem.

Segundo Pedro Paulo, coordenador executivo da ASA, a seca não deveria nem ser tratada como emergência, já que mais de 70 grandes estiagens já foram registradas ao longo da história, sendo a última entre 2012 e 2018.

“Seca não deveria ser emergência porque sempre existiu na nossa região. Mas agora está se estendendo para outras regiões, como Amazônia, e até o Sul do Brasil. Seca pode até ser um desastre ambiental, mas é por não ter sido encarada com a seriedade que deveria”.

Ele lembra que, apesar de medida paliativa, o carro-pipa ainda é necessário:

“O difícil, muitas vezes, é ter onde encontrar água para o carro-pipa pegar. Muitos mananciais de barragens já estão contaminados por agrotóxicos”, avisa.

Entre as ações estruturantes defendidas pela ASA, ele cita a construção de mini-adutoras, sistemas de reaproveitamento de água usada e desenvolvimento de tecnologia para estoques de alimentos.

“É importante estocar alimentos, estocar forragens, estocar sementes crioulas. Precisamos investigar na agroecologia, temos que manter a caatinga em pé”, concluiu.

Assista na íntegra a audiência pública:

https://www.youtube.com/watch?v=3FbF-b8QEjE&list=TLGGNjBd0hXekUQxNDEyMjAyMw
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