Mineiro: “Há uma tensão e desejo permanente por novo golpe na Câmara”
Natal, RN 27 de abr 2024

Mineiro: "Há uma tensão e desejo permanente por novo golpe na Câmara"

13 de janeiro de 2024
10min
Mineiro:
Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

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Único parlamentar da bancada do Rio Grande do Norte no ato em defesa da democracia que lembrou a tentativa de golpe articulada por bolsonaristas em 8 de janeiro de 2023, Fernando Mineiro (PT) cobra punição para quem organizou e também financiou as invasões e depredação das sedes dos três Poderes da República: Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal. 

A solenidade, batizada de "Democracia Inabalada", ocorreu no período de recesso parlamentar, mas contou com a presença dos presidentes da República (Lula), Congresso Nacional (Rodrigo Pacheco), Supremo Tribunal Federal (Luís Roberto Barroso) e Tribunal Superior Eleitoral (Alexandre de Moraes), além da governadora Fátima Bezerra, representando todos os chefes dos governos estaduais do Brasil.

Na plateia, mais de 500 pessoas, entre deputados, senadores, ministros de Estados e outros convidados ilustres.

Ainda que reconheça a força das instituições na reação aos golpistas, ele vê ligação entre os atos de 8 de janeiro com o golpe de 1964, que completa 60 anos em 2024:

- Acho que muita impunidade em relação àquele período (1964) faz com que esses períodos voltem à tona e se reposicionem em busca de retomar as rédeas do Brasil”, afirma.

E alerta para o que chama de "desejo permanente" da extrema-direita em tentar um novo golpe:

- Ruptura eles não ousariam fazer novamente, ao menos a curto prazo. Até porque as instituições se mostraram fortalecidas e reagiram à altura para impedir a ruptura. Mas que há uma tensão e um desejo permanente, há", diz.

Nesta entrevista especial à agência SAIBA MAIS em Brasília, Fernando Mineiro fala sobre o simbolismo do 8 de janeiro, os dois projetos relacionados à tentativa de golpe que protocolou, mas ainda não foram votados, e sobre as tensões na Câmara durante o primeiro ano de mandato.

Agência SAIBA MAIS: Qual a importância do 8 de janeiro para o Brasil ?

Fernando Mineiro: É importante porque ele representa uma reação das instituições ao que aconteceu em 8 de janeiro de 2023. Tivemos uma clara tentativa de golpe. Se foi um golpe tabajara ou não, a história dirá. Mas foi uma clara tentativa, articulada, com estratégia definida muito forte de criar um ambiente para ter uma intervenção militar no Brasil. E a reação das instituições, da sociedade, mesmo que ainda de forma diluída, impediu que isso acontecesse. E durante o ano de 2023, a própria CPI que o Congresso Nacional instalou mostrou claramente as intenções, os envolvidos. As investigações levadas a termo pelo Supremo Tribunal Federal também têm mostrado qual a dimensão dessa tentativa e acho que, para o bem da democracia, precisa identificar e ter punição. Não só para os envolvidos diretamente, a chamada raia miúda que fazia os atos que beiravam à baderna, mas também buscar punição para quem organizou e financiou esse ato. Esse ato não foi espontâneo, foi articulado e teve algumas fases: a fase de enfrentamento e de virar a mesa foi o 8 de janeiro de 2023. Mas já começava antes, durante todo o processo eleitoral, inclusive durante a diplomação. 

Os acampamentos nas portas dos quarteis que, inicialmente se autointitulavam reações contra uma suposta fraude nas urnas, se revelaram laboratórios do que veio a ser a tentativa de golpe. Você concorda com essa tese ?

Eram células também, desse enfrentamento e tentativa desse golpe. Se a gente resgatar um pouco o que aconteceu em 2022, a busca por deslegitimar as eleições, não aceitar o resultado eleitoral, depois cenas de vandalismo no dia da diplomação do Lula... eu estava aqui em Brasília e presenciei da sacada do hotel onde estava hospedado aqueles atos de selvageria, próximo a Polícia Federal, a bomba de dezembro... e culminou com 8 de janeiro. Eu sempre digo que os dois domingos de janeiro de 2023 apresentaram um Brasil: o primeiro domingo, dia 1º com a posse do Lula, representava o Brasil da esperança, de busca de união, de reconstrução do país, de apontar para o futuro, de reforçar a democracia e restaurar as políticas públicas... e o segundo domingo mostrou outra face do Brasil. E esse povo está aí. Essas mentes que tramaram, organizaram e incentivaram estão aí. Precisam ser identificados e punidos na forma da lei. A impunidade é muito ruim para a história do Brasil. Esse ano, em 2024, completa 60 anos do golpe de 1964. Acho que muita impunidade em relação àquele período faz com que esses períodos voltem à tona e se reposicionem em busca de retomar as rédeas do Brasil. Que aliás não é um movimento só local, mas geral. Então é isso, esse ato é muito importante pra resgatar essa vitória. O resgate do papel, a força das instituições, mas é preciso extrair lições desse episódio. E uma das lições é que precisam ser apurados e punidos na forma da lei quem financiou esse crime contra a democracia. 

Você está exercendo o primeiro mandato de deputado federal. Como foi o primeiro ano em relação a essa disputa, que é democrática dentro do Parlamento, mas também acaba contaminada pelo momento político do país ? Você sentiu que o que aconteceu no 8 de janeiro acabou gerando mais tensões na Câmara ao ponto de tentarem uma nova ruptura democrática ?

Ruptura eles não ousaram fazer novamente, ao menos a curto prazo. Até porque as instituições se mostraram fortalecidas e reagiram à altura para impedir a ruptura. Mas que é uma tensão e um desejo permanente, é. Não à toa meu primeiro ato aqui na Câmara foi apresentar um projeto de lei criando o Dia da Democracia, em 8 de janeiro, que está tramitando e precisaria ser colocado em votação. Tem outros projetos semelhantes também. Assim como eu também apresentei um projeto para que seja criado um Memorial em defesa da democracia. A gente precisa criar esses símbolos na nossa história e não jogar debaixo do tapete. Mas aqui é uma disputa permanente. Os setores internos na Câmara que representam esses interesses e ideário que culminou no 8 de janeiro estão vivos, presentes, militando. Eu não vejo a curto prazo, repito, deles tentarem uma ruptura, mas é uma disputa permanente. Não tenho dúvidas que se setores democráticos baixarem a guarda eles tentarão uma ruptura porque é assim a história do Brasil. Eles tentaram fazer, digamos assim, à luz do que sempre aconteceu na história do Brasil nesse movimento de processo democrático, depois de ruptura... aliás a maior parte da história do Brasil é de momentos muito duros, muito antidemocráticos. Então temos essa cultura, essa “tradição” no Brasil, que é de não enfrentar os problemas e ir na raiz buscar que eles não se repitam. No meu ponto de vista, é fazer a apuração necessária, identificar os mentores, os financiadores e puní-los. Se não fizermos isso estaremos sempre vivendo esse clima de possibilidade de volta desse fantasma que paira sobre a história do Brasil. 

A impunidade é muito ruim para a história do Brasil. Esse ano, em 2024, completa 60 anos do golpe de 1964. Acho que muita impunidade em relação àquele período faz com que esses períodos voltem à tona e se reposicionem em busca de retomar as rédeas do Brasil.

O fato dos dois projetos ligados ao 8 de janeiro que você apresentou não terem sequer ido para plenário não mostra as dificuldades que o próprio Parlamento tem de entender o significado dessa data para a democracia brasileira ?    

Sem dúvida. Quando eu apresentei os projetos, achei que seria uma coisa meio óbvia e rápida para que o Parlamento se posicionasse. Até porque a Câmara e o Congresso Nacional também foram invadidos e depredados. E os projetos eram uma forma da Câmara se posicionar e marcar a data como um símbolo de resistência. Não colocar para tramitar, não colocar em votação, representa essa cultura do Brasil de colocar as coisas debaixo do tapete. E isso reflete aqui porque o parlamento aqui não é uma ilha. Nós temos um país em disputa sobre os rumos do país. Não tem grandes alterações de concepções que permearam 2022. Esse processo continua em disputa. E faz parte inclusive, um projeto como esse e outros, dessa correlação de forças da sociedade. Temos uma contradição aparente. A maioria da população elegeu o Lula por uma margem de votos pequena, mas uma vitória extraordinária se a gente pensar o contexto do que foi feito nas eleições e contra a democracia, o uso da maquina, a compra de votos, o orçamento secretário... mas temos uma maioria conservadora no Parlamento. Então temos uma situação que precisa avançar ainda mais na sociedade para poder construir uma nova correlação de forças nessa sociedade, ter nova maioria política, cultural, social, que pensa o Brasil de outra maneira. Então são pontos de tensões. E todos os dados, todas as pesquisas e analises mostram que essa tensão permanece. A diferença é que temos no comando do Executivo nacional outra concepção que ainda vai levar um certo tempo para poder consolidar e contribuir para mudar essa correlação de força. 

Eu não vejo a curto prazo, repito, deles tentarem uma ruptura, mas é uma disputa permanente. Não tenho dúvidas que se setores democráticos baixarem a guarda eles tentarão uma ruptura porque é assim a história do Brasil.

E quem ou o que têm o poder para mudar essa correlação de forças na sociedade ?

E eu não acho que essa mudança se dará apenas pela ação das instituições políticas tradicionais, Executivo e Parlamento, por exemplo. É importante também os movimentos sociais, é importante que a população participe também, entre nessa movimentação para criar uma nova concepção de sociedade. O que vai resultar dessa disputa a gente só vai ver daqui a alguns anos, mas é muito forte ainda essa popularização porque não será superada de um dia para o outro. 

Você citou há pouco os 60 anos do golpe de 1964, lembrado em 2024. Qual a importância da comunicação nesse processo para que a sociedade brasileira entenda o que aconteceu naquela data e para que nada parecido se repita, como quase ocorreu em 8 de janeiro de 2023 ?

Mais do que a comunicação no sentido tradicional, no meu ponto de vista o importante é a educação. O processo educacional, formativo, o conhecimento de uma maneira mais ampla. A comunicação no sentido mais restrito é também um processo em disputa. Os setores mais conservadores praticam e fazem sua comunicação. E disputam sua concepção de sociedade. Eu penso que nós precisamos sempre estar pensando no processo de transformação como um processo muito mais profundo que as estruturas materiais, mas que também ensinam sobre a área educacional, sobre a cultural fundamentalmente. Não adianta só você pensar em mudar materialmente a sociedade. Você precisa avançar, o Brasil precisar recuperar e sair do processo de exclusão material que ainda temos muito forte. Mas sobretudo avançar na questão educacional e cultural. Temos vários exemplos aqui e fora que se a gente não apostar na educação e na cultura, nós vamos ficar divagando sobre o mesmo processo. Temos que pensar outros valores, de solidariedade, justiça, liberdade, de respeito, igualdade. São valores que se dão muito mais além do que o processo de comunicação. 

E eu não acho que essa mudança se dará apenas pela ação das instituições políticas tradicionais, Executivo e Parlamento, por exemplo. É importante também os movimentos sociais, é importante que a população participe também

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