Sobre o Projeto de Lei das fake news (ainda)
Natal, RN 9 de mai 2024

Sobre o Projeto de Lei das fake news (ainda)

28 de janeiro de 2024
10min
Sobre o Projeto de Lei das fake news (ainda)

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No dia 11 de dezembro de 2023 a rede social X (antigo Twitter) de Rosângela da Silva, Janja, esposa do presidente Lula,  foi hackeada. O invasor fez publicações ofensivas não apenas contra ela (misóginas e de cunho pornográfico), mas também contra o presidente Lula e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

A Polícia Federal agiu rápido em uma operação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal e no dia seguinte cumpriu quatro mandados de busca e apreensão em Belo Horizonte e Ribeirão das Neves (MG). Um suspeito foi encontrado em um dos endereços, sendo apreendidos o celular e o computador dele na casa da família, em Ribeirão das Neves.

   A Advocacia-Geral da União (AGU) também  notificou o X, cobrando a preservação de todos os registros e elementos digitais relativos à conta de Janja.

Ao saber que havia sido hackeada,  Janja solicitou à plataforma X a retirada das ofensas e depois comentou como tinha sido difícil que ela tomasse as providências cabíveis, como  congelar a sua conta . E em entrevista sobre o caso, salientou a necessidade não só da regulação (estabelecer  normas)  das redes sociais, mas também em relação à monetização dos usuários, inclusive de parlamentares (que contribuíram – e continuam contribuindo) para a difusão de fake news.

Em relação à monetarização (a difusão sistemática de mentiras rendeu e continua rendendo  lucros financeiros para muitos bloqueiros, influencers etc., um dos efeitos importantes da CPMI das  fake  news - instalada em 4 de setembro de 2019 – destacada em seu Relatório Final (21 de dezembro de 2022)  foi a proibição da monetização de canais de titulares de cargos eletivos no Congresso Nacional. As investigações mostraram  que alguns canais de deputados e de senadores eram  monetizados, em especial no YouTube “sendo que muitos deles utilizavam estrutura pública para a produção dos conteúdos. Como se não bastasse, estavam recebendo por meio de publicidade governamental”. (relatório disponível em https://legis.senado.leg.br/comissoes/mnas?codcol=2292&tp=4).

Quanto à invasão do hacker na conta de Janja,  o presidente Lula o classificou  como uma  canalhice e não apenas concordou  como a desmoneterização dos que usam a internet e as   redes sociais  em particular para mentir, manipular etc. como também  fez uma defesa da sua regulação e citou as medidas dos países da União Europeia - e também da China -  para regular as plataformas  e declarou que esta seria uma das prioridades do governo para este ano, pedindo ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que o PL. 2.630 seja votado na Câmara e sancionado por ele antes das eleições de outubro.

A referência do presidente Lula em relação à legislação em outros países é importante. Segundo a Coalizão do Setor de Comunicação 55 países tem legislação sobre o uso da internet. Em 2016 foi criado no Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia, um regulamento (em vigor desde 2018), a General Data Protection Regulation, que estabelece regras sobre a privacidade e proteção de dados das pessoas, determinando como os seus dados podem ser utilizados, inclusive no âmbito criminal. 

Em um artigo publicado em junho de 2021 Regulação de redes sociais: uma perspectiva internacional, Amália Batocchio, Paola Cantarini e Samuel Rodrigues de Oliveira  afirmam que a  Alemanha  “foi um dos primeiros países a legislar de maneira mais rigorosa sobre a responsabilização das redes sociais por conteúdos publicados em suas plataformas. Tendo como marco principal o chamado Network Enforcement Act (NetzDG), a experiência germânica quanto à moderação de redes sociais (...) tem sido um importante referencial para demais ordenamentos jurídicos, tanto para países da própria União Europeia quanto para países de fora do bloco. https://www.conjur.com.br/2021-jun-15/direito-digital-regulacao-redes-sociais-perspectiva-internacional/

Por  isso, a invasão da conta de Janja mostrou para o presidente Lula a importância de uma legislação (eficaz) sobre a internet e as redes sociais.  O tema voltou ao debate em função do papel que elas  tiveram  para a mobilização de bolsonaristas na tentativa de golpe no dia 8 de janeiro de 2023, com a depredação das sedes dos três poderes (com o objetivo criar uma situação de caos para justificar a intervenção das Forças Armadas e impor ao país mais uma ditadura). Como disse Wilson Gomes, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia  no artigo A incrível odisseia do PL 2630 (revista Cult, maio de 2023)  os acontecimentos do 8 de janeiro foi em grande parte resultado de um processo que foi “insuflado, planejado e mobilizado pela infraestrutura das comunicações digitais para tentar destruir a democracia”.

O que é o PL 2630? Conhecido como PL das Fake News trata da regulação das plataformas digitais. Iniciada a sua tramitação no Senado  foi aprovado no dia 30 de junho de 2020 (44 votos a favor, 32 contra e duas abstenções) e propõe a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, visando o combate à disseminação de conteúdos falsos nas redes sociais, nos serviços de mensagens privadas e também para as plataformas digitais, criando regras para a atuação e responsabilização.

O PL define normas relativas à transparência de redes sociais e à responsabilidade dos provedores que contribuírem para disseminar desinformação com sanções para o descumprimento da lei (circulação de conteúdos que se enquadrem em crimes já tipificados na lei brasileira).

Aprovado no Senado  o PL foi remetido para a Câmara dos Deputados no dia 03 de julho de 2020 e quase três anos depois , em 2 de maio de 2023 , estava previsto para ser votado no plenário, mas foi adiado e desde então, quase um ano depois, não tem ainda data definida para votação. Se for alterado pelos deputados, volta para o Senado que pode aceitar ou não as alterações (e só depois de aprovado pelas duas Casas Legislativas vai para sanção presidencial).

Em relação as fake news, foi instalada no dia 04 de setembro de 2019 no Congresso Nacional uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news para investigar, entre outros crimes “os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público e a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições”. Embora o prazo inicial para o  Relatório Final fosse de 180 dias, só foi concluído no dia 21 de dezembro de 2022 (relatado pela deputada Lídice da Mata (PSB-BA) . O documento tem 686 páginas e está disponível em https://legis.senado.leg.br/comissoes/mnas?codcol=2292&tp=4.

Em sua justificativa para a criação da CPMI  se afirma que “Campanhas de ódio, assédios, exposição da intimidade alheia e até tentativa de homicídio usando a Internet como meio de aproximação são riscos enfrentados com frequência cada vez maior pelos usuários. A Internet e as redes sociais criaram um espaço infinito para a livre circulação de ideias e opiniões, fato que culminou na instalação de verdadeiros tribunais instantâneos que elevam ou enterram as reputações tanto de agentes públicos quanto de cidadãos comuns, sem a menor piedade e responsabilização”.

O PL aprovado no Senado deixa claro que a liberdade de expressão é direito fundamental dos usuários e que as proibições na lei não podem restringir a livre expressão e a manifestação artística e intelectual (de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural). Como afirmou o ministro Alexandre de Moraes,  no Brasil e no mundo, a liberdade de expressão tem sido usada como justificativa para a disseminação de notícias falsas e que liberdade de expressão não é liberdade de agressão a pessoas ou a instituições democráticas.

No entanto, o PL mobilizou e continua mobilizando a bancada de direita (e extrema direita) no Congresso Nacional (e fora dele também) acusando a lei de ser uma ferramenta de censura, espalhando mentiras sobre seu conteúdo e também contra qualquer  forma regulação (por razões óbvias, as plataformas também se manifestaram contra o PL, como o Google que  na véspera da votação do PL no Senado apresentou em sua página inicial um link para um hotsite que reunia manifestações da empresa contra ele).

O relator do PL na Câmara dos Deputados, deputado Orlando Silva (PC do B/SP) tem defendido que o país precisa avançar na regulação das plataformas, e sua proposta  inicial previa a criação de um órgão governamental para supervisionar a atuação das redes sociais, mas depois de muitas polêmicas, foi retirado do texto qualquer menção à agência reguladora, substituído por outro, estabelecendo que as diretrizes devam ser definidas pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI).

Em relação a uma agência reguladora, a Coalizão Direitos na Rede, grupo que reúne mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil a defende a regulação das plataformas de internet no país afirmando que “Para além de criar mecanismos de combate à desinformação e outras práticas nocivas nas redes,  cria regras de mais transparência nas ações e modelos de negócios das plataformas” (https://direitosnarede.org.br/2022/04/26/entenda-por-que-a-coalizao-direitos-na-rede-iniciou-campanha-para-regular-plataformas-de-internet-no-brasil/).

A liberdade de expressão e acesso à informação é direito dos usuários das plataformas digitais e  o PL das fake news  e a regulação das plataformas de internet visam combater e punir a disseminação de notícias falsas, mentiras e manipulações. Não se trata de censura em relação às pessoas e empresas de plataformas, mas de combate aos conteúdos mentirosos (e perigosos) que deve ter devida responsabilização penal.

Pela  lei passa a ser crime, por exemplo, promover ou financiar com conta automatizada ou outros meios não autorizados pelos provedores à divulgação em massa de mensagens inverídicas que sejam  capazes de comprometer o processo eleitoral ou que possam causar dano à integridade física das pessoas (estímulo à violência etc.).

Sendo  urgente e necessária a sua votação, como defende o presidente Lula, o problema é não apenas o seu  sistemático adiamento  mas algo bem pior: a desfiguração do PL , pondo em  xeque os seus objetivos que é o combate as fake news, a necessidade da transparência dos provedores de internet  no controle da difusão de notícias falsas e discursos de ódio em ambientes digitais.Como consta no Relatório Final da CPMI das fake news,  a luta de todos os que defendem os ideais democráticos deve ser pela informação contra a desinformação. Pela verdade contra a mentira e pela liberdade contra a tirania e o autoritarismo.

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