Enfurnada sob suas mantinhas quentes, queimando-se em febre e em estado de torpor e desorientação (quase delírio) ampliados pela escuridão de seu quarto e pela dor de cabeça que rachava a realidade, ela resistia ao maldito vírus que a prostrara naquele estado.
Sentia quando seus animais chegavam para lhe fazer companhia. Os gatos e seus bigodes, suas vozes miadas e trinadas carinhosas conhecidas. Reconhecia quem eram por suas pelagens e pela posição que ocupavam naquela cama que há muito também pertencia a eles. Sentia a respiração ofegante de boca aberta e língua para fora dos cães. Quando o colchão era sacudido, tinha certeza que era um deles se apoiando na cama para ver o que estava rolando, ou eram os dois.
Em alguns momentos quando a dor de cabeça ou a febre davam uma trégua, ela conseguia sair do breu para se jogar embaixo do chuveiro e seguir uma rotina mínima: tomar dipirona com uma xícara fumegante de café ou chá, alimentar os animais, comer alguma coisa e se hidratar, se hidratar, se hidratar...
Eram nesses momentos em que conseguia dar sinal de vida aos seus, via telefone, videochamada pelo WhatsApp... pouco tempo nas redes... deixava o canal de noticiário ligado o tempo todo para acreditar que estava tudo bem, já que assim ficava antenada aos últimos acontecimentos da humanidade e à passagem do tempo...
Quando a dor dava uma trégua, ia fuçar a internet para responder algumas mensagens, para ver qualquer coisa que a animasse um pouco, ou para ler banalidades, curiosidades sobre gatos. Ela é alucinada por gatos. Criaturas divinamente inteligentes! E lendo alguns conteúdos, se deu conta de que seu comportamento se assemelhava ao deles, sobretudo quando os felinos estão doentes ou prestes a morrer (ela já viu alguns dos seus filhotes felinos virarem estrelinhas. Ela sabe como eles se comportam nessas situações).
Ficar reclusos, desconectados, procurar um lugar escuro e tranquilo, evitar pessoas, se enclausurar... essa é a regra dos animais feridos. Ela fez tudo isso se amofinando sobre a cama quente em um quarto escuro, seguro, longe de tudo e todos.... Divagou: “Vou morrer como uma gata!!!”.
Lembrou que lera uma matéria que confirmava isso: “Na natureza, quando um animal está doente ele se torna uma presa fácil para os predadores, então tentará se esconder enquanto se recupera, ou para morrer pacificamente. Por isso, é comum que um gato tente fugir quando o fim está próximo, pois ele não quer ser visto vulnerável. ”
Outro site sobre comportamento de pets trazia o seguinte: “Há mais de 10 mil anos que os gatos foram domesticados pelos humanos, contudo, mesmo com tanto tempo, os felinos ainda possuem instintos da época que viviam de forma selvagem e precisavam se proteger de predadores. Um desses instintos é, justamente, esconder sinais de dores e doenças para não se mostrar vulneráveis.”
Ela era uma gata enferma escondendo seus sinais de dores e doenças do mundo enquanto se recuperava. Ou estaria se protegendo dos “predadores” se refugiando naquele quarto escuro?! (Apareceram dois naqueles dias!) Só queria “morrer” em paz?! (Ela chegou a pensar nisso). Ou só não queria parecer vulnerável para ninguém?! Isso a deixou pensativa...
A febre e a dor de cabeça acabaram voltando, os olhos lacrimejavam, largou o celular, tomou uma dipirona e se encasulou em suas mantas quentes... adormeceu ouvindo um misto de muitos sons distintos: o noticiário ininterrupto no canal de notícias, ronronados dos gatos, grunhidos dos cães sob a cama (talvez sonhando), hélices do ventilador, The Good Witch dizendo em inglês: “Seu futuro precisa de você. Seu passado, não...”.
Ouvia ainda a si mesma, uma espécie de sussurro, um acalanto, um ninar saindo dela e para ela, sua voz interna: “É, gata! Você vai morrer como os gatos! Escondida, confortável (se isso é possível) e protegida. Mas antes que isso ocorra, você tem sete vidas para dar conta. Então, se liga!”