Epifania
Natal, RN 9 de mai 2024

Epifania

9 de março de 2024
4min
Epifania

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Para esse 8M trago um conto que compõe meu livro de estreia “No horizonte tem chuva fiando”, publicado pela editora potiguar CJA em 2022. É intitulado de EPIFANIA. Fala sobre descobertas, sobre o amadurecimento e sobre o multifacetamento de ser MULHER. Um VIVA a todas as nossas magníficas existências!

Vamos ao conto!?

 O dia estava para amanhecer e o sono ainda não chegava. A ansiedade de um porvir incerto e cheio de surpresas aguardava aquela menina. Ruiva, esguia, franja que encobria um dos olhos marcados de delineador negro, vestido varrendo o chão e pés descalços, ela sentia a energia que emanava de todo o lugar.

Sozinha em sua caminhada pela noite em claro, ela sonhava com um encontro, com uma descoberta, com alguma coisa nova que pressentia boa. Não sabia bem o quê?! Em seu retorno para casa, deitou-se numa rede na varanda e olhando as telhas coloridas, sua cabeça fervilhava em divagações. A excitação não a deixava pregar os olhos e também a enchia de despertares. Seu coração palpitava, suas pupilas caçavam, seus ouvidos sonares localizavam o mínimo ruído. Tudo poderia ser.

Na sua condição de expectadora do destino, esperava, esperava, esperava... Mas a única coisa que mudava era a coloração do céu; de escuro, tornava-se azulado e púrpura e rosa e laranja, até que o dourado começou a invadir sua íris tão cheia de vida e curiosidade.

O que sentia ao certo? O que estava para acontecer?

Pulou da rede, inquieta, pôs um biquíni e rumou para o mar. O vento forte e frio do amanhecer chicoteava de areia fina seus pés e pernas e sem destino, ela caminhava numa certeza de descoberta. Cada passo era mais firme: agora com a água batendo em sua pele. A sensação que isso provocava em seu ser era novo. Era como se a água a abastecesse de uma força nova, inédita. Pessoas outras caminhantes passavam por ela e viam-na tão sorridente e feliz que se encantavam, se contagiavam com a emanação, com a radiação que aquela menina exalava.

E andando, ela percebeu que cada passo que dava era acompanhado de um pensamento sobre si.  O que sabia dela mesma???!!!  Nunca tinha parado para pensar, mas agora, seus rastros iam construindo, um a um, o conhecimento sobre si. Era como se, de fora, conseguisse observar seu interior, suas memórias, suas vivências, e de dentro, aflorando, ela se descobria. 

Epifania. Momento íntimo, em que, em contato com a água, sorria pelo grande achado: A descoberta do “eu” que há muito havia esquecido que existia. A descoberta do “eu” que amava e era amada, a descoberta de tudo o que ensinou e que aprendeu, de todas as pessoas que atravessaram sua vida em algum momento e que, de alguma maneira significativa ou ordinária, acrescentaram-lhe ou subtraíram-lhe alguma coisa.

Sim. A menina sabia-se mulher. Sabia-se guerreira, sabia-se atraente e sedutora. Viu seus defeitos e os aceitou como condição de ser humano que era, e não de deusa, como sonhara. Amamentou-se do seu “eu” e de uma maneira ímpar mergulhou nas águas como se o fizesse em sua consciência. Feito água, feito mar, recebia a influência da lua, que mesmo escondida pelo sol, teimava em estar presente, irradiando sua feminilidade de astro fêmea mutante. Era muitas. Era todas.

Quando saiu da água, trazia o corpo orvalhado. As gotas de água escorriam pelo seu corpo e os pingos derramavam-se na terra, penetrando como semente, esperando para germinar.  Olhava fixo para adiante. Mas antes de abrir a porta de casa, no seu retorno feliz e epifânico, olhou para trás e disse “muito prazer” a todas as meninas e mulheres que brotavam de suas gotas.

Acenando para todas elas, como que se se aceitando por inteira, ou juntando partes, fez as pazes consigo mesma. Deitou-se na rede da varanda e dormiu, finalmente, exausta da aventura de descobrir-se.

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