O ressentimento como estratégia política da extrema-direita
Natal, RN 9 de mai 2024

O ressentimento como estratégia política da extrema-direita

13 de março de 2024
5min
O ressentimento como estratégia política da extrema-direita

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Na eleição geral realizada em Portugal domingo passado, o partido fascista Chega conquistou mais de um milhão de votos, que lhe garantiu 48 deputados, o equivalente a mais de um quinto das 230 cadeiras da Assembleia da República, o parlamento português. Um feito, já que em 2022, o partido tinha 12 parlamentares e na eleição de 2019, elegeu apenas um. Em novembro do ano passado foi a Argentina quem elegeu um presidente de extrema-direita, Javier Milei, repetindo o que aconteceu no Brasil em 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro. E nos EUA o ex-presidente Donald Trump, de extrema-direita, está empatado com Biden nas pesquisas.

A opinião registrada quase unanimemente é de que a extrema-direita está ganhando cada vez mais força no mundo, mesmo nas democracias mais sólidas. É um processo histórico até certo ponto natural para quem estuda ciclos e sócio-economia. Mas o que me instiga a refletir e motivou este texto é entender não os políticos de extrema-direita, estes muitas vezes sequer são ideológicos, mas ávidos de poder e oportunistas, é sim os seus eleitores, quem vota neles e os coloca no poder.

Neste exercício de análise, me chamou a atenção um recorte da nova pesquisa Genial/Quaest, divulgado e analisado pelo jornalista Leonardo Sakamoto, sobre como grupos sociais enxergam a prioridade no Brasil dada a pessoas como eles e pessoas diferentes deles nos últimos 20 anos. "Com isso é possível analisar a força do ressentimento, instrumentalizado por lideranças políticas, na mobilização de seguidores", explica Sakamoto. Exemplo: entre os que votaram em Bolsonaro no segundo turno de 2022 (consideremos o que pesquisas anteriores já apontaram, que o eleitor médio de Bolsonaro é homem, branco, classe média e/ou alta, entre 40 e 60 anos) nada menos que 43% acreditam que pessoas como eles passaram a ter menor importância no Brasil nos últimos 20 anos, enquanto 42% dizem que nada mudou sobre isso e apenas 9% afirmam que tiveram mais importância. Enquanto isso, 63% dos que votaram em Lula avaliam que pessoas como eles passaram a ter mais importância, 23% nem mais, nem menos e apenas 10% creem que tiveram menos importância.

Para os que votaram em Lula, os cinco grupos que ganharam mais importância foram, em ordem, os pobres (20%), os ricos (14%), as mulheres (10%), os negros (7%) e a população LGBTQ+ (4%). Já os eleitores de Bolsonaro afirmam que os mais beneficiados foram os ricos (25%), a população LGBTQ+ (12%), pobres e mulheres (6%) e negros (5%).


Na reportagem de Sakamoto, o cientista social Felipe Nunes explica que o grande tema da pesquisa é o ressentimento. “É impressionante perceber que alguns grupos olham para os outros de forma ressentida, pois cresceram mais que ele. E esse tipo de sentimento tem sido estudado no mundo inteiro como um grande gatilho para criação de valores autoritários.”

Bingo. O aumento no número de eleitores de políticos e pautas de extrema-direita é diretamente proporcional à sensação destes eleitores de que seus "direitos" (na verdade privilégios) estão sendo retirados em comparação com "privilégios" (na verdade direitos básicos e/ou reparação histórica) dados a grupos considerados "minoritários" ou "não convencionais" (para eles, claro). Essa equação de circunstâncias faz com que esta parte da população ressentida se agarre a valores (tradição, família) e "leis divinas" (Bíblia) para justificar a manutenção de seus direitos/privilégios.

O ressentimento é das condições humanas mais perigosas pelo potencial de dano e de uso político. Para Nietzsche, o ressentimento tende a se tornar de tal forma contagioso e perigoso que pode operar uma inversão dos valores. Nietzsche Em "Genealogia da Moral",Nietzsche reflete que "o ressentido busca o alívio de sua dor, seu desconforto, a Vontade de Potência busca caminhos para afirmar-se, mas encontra apenas becos sem saída. Então, já incapaz de afirmar, até mesmo a reação torna-se inautêntica, incapaz de criar e diferenciar-se, inapta para dar conta da relação entre as forças interiores com as exteriores". No fim deste trecho, o filósofo entende que o ressentimento gera mágoa, raiva, ira, ódio, a dor e sede de vingança. Basicamente o que políticos de extrema-direita insuflam nos seus eleitores (em Portugal ódio aos imigrantes brasileiros e africanos, nos EUA ódio a imigrantes mexicanos e latinos em geral, em Israel o ódio aos palestinos, no Brasil um ódio genérico à população LGBTQIA+ e sistêmico a população pobre).

Posto que o ressentimento de uma parte da população (que estaria perdendo privilégios que enxerga como direitos) está sendo operacionalizado como estratégia pela extrema-direita, resta à esquerda progressista criar antídotos para isso. Soluções que passem longe das ferramentas tradicionais de apelar para a compreensão e conscientização, posto que o século 21 com a globalização e internet apresenta desafios diferentes dos vividos por Marx, Lênin e Mao Tsé Tung. O mundo mudou. A extrema-direita entendeu essa mudança e como chegar nos eleitores explorando seus ressentimentos. Cabe à esquerda aprender a lidar com esse pessoal que pode decidir eleições e o destino de todos nós.

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