Quem me acompanha sabe que escrevo sobre coisas ordinárias. Escrevo sobre experiências do cotidiano, sobre diversão, família, pets, (des)amores... Escrevo sobre direitos, violências, sonhos, memórias afetivas, conquistas, festas e shows... Escrevo sobre comida, religião e fé, educação, literatura, trabalho, noitadas, “sexo, drogas e rock´n´roll”, chuva e choro...
Escrevo coisas ordinárias para que todas as pessoas percebam algumas coisas: Primeiramente que nossas vidas Trans são mais próximas às vidas cis que se imagina; em segundo lugar, porque coisas ordinárias são riquíssimas de humanidade e podem ser extremamente interessantes; e por último, e talvez a mais importante delas, para que se deem conta de que uma mulher Trans/Travesti é tão ordinária e tem direito a viver essas experiências cotidianas todas quanto qualquer outra pessoa.
Entenda “ordinário” como comum, regular, repetitivo, diário... Entenda que a vida de uma pessoa Trans/Travesti deveria disfrutar dessa “ordinarice” sem assombros, sem violências, sem interrupções, sem proibições, sem exclusões... Deveria ser assim: Vida Transordinária!!!
Escrevo coisas ordinárias porque sou ordinária a ponto de me dar o direito à erudição, à educação, aos prestígios que não deveriam ser entendidos como prestígios, mas conquistas ordinárias – assim como o é para a maioria das pessoas, sobretudo aquelas autoproclamadas cisnormativas.
Escrever sobre coisas ordinárias me apresenta como alguém que fala, escreve, pensa e debate assuntos ordinários, temas do dia a dia, coisas que podem interessar a todas as pessoas, lugares comuns e/ou interesses particulares e esdrúxulos. O imaginário coletivo reduz os interesses de mulheres Trans/Travestis exclusivamente ao sexo, à safadeza, à sacanagem, à fuleiragem.... Podem fazer isso se assim quiserem, claro!
Mas há um mundo ordinário de possibilidades ordinárias para além do sexo-ordinário-nosso-de-todo-dia que faz parte do radar de nossos interesses. E para além dele, há outro mundo, um mundo extraordinário de possibilidades extraordinárias que também faz parte do cardápio de desejos de muitas de nós (mulheres Trans/Travestis).
Há um mundo de temas e assuntos e interesses EXTRAORDINÁRIOS que também sacia nossos gostos, nossos horizontes de sonhos, nossos escopos de vontades. A educação, a formação, o conhecimento, a erudição é um deles. Está no meu menu. Faz parte das minhas “ordinarices”, apesar de questionamentos, violências e interrupções já terem me assinalado que eu, por ser uma mulher Trans/Travesti, deveria desistir disso. “Não é da conta de uma Travesti.”
No imaginário coletivo o ordinário para uma mulher Trans/Travesti é a prostituição, é a fetichização, é a comercialização de nossos corpos e gozos... Mas, como afirmo aqui... essa ideia está em um IMAGINÁRIO COLETIVO, e ele tem a obrigação de ceder ao IMAGINÁRIO INDIVIDUAL de cada uma de nós, que sonhamos, desejamos e planejamos “EXTRAORDINARICES.”