População local não tem conseguido acessar áreas no Geoparque Seridó
Natal, RN 30 de abr 2024

População local não tem conseguido acessar áreas no Geoparque Seridó

16 de abril de 2024
7min
População local não tem conseguido acessar áreas no Geoparque Seridó
Imagem: Cedida/Instituto Seridó Vivo

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Os moradores de Carnaúba dos Dantas (RN) e demais municípios próximos estão sem conseguir acessar uma parte das áreas inseridas no Geoparque Seridó. Uma denúncia enviada à Agência SAIBA MAIS afirma que “atualmente a área com a maior concentração de sítios arqueológicos do RN está fechada pela empresa Casa dos Ventos. Também é um lugar com muitas cachoeiras, que os locais usavam para lazer e visitar o lugar onde seus ancestrais deixaram marcas”.

Joadson Silva, arqueólogo colaborador do Instituto Seridó Vivo, afirma que trata-se das áreas Riacho do Bojo/Olho d'Água e Riacho do Cardão, que entraram em processo de privatização em 2023 pela empresa Ventos de São Cléofas Energias Renováveis, pertencente ao grupo Casa dos Ventos Energias Renováveis, com o intuito de construir o complexo eólico Pedra Lavada. A área conta com um total de mais de 50 sítios arqueológicos, incluindo a Cachoeira dos Fundões, muito visitada pela população local durante esse período de chuvas. Vale lembrar que a maior área de sítios arqueológicos do Geoparque fica em Carnaúba dos Dantas.

Como explica Silva, além da importância científica e turística, a região privatizada trata-se de uma área de grande significado para a população do Seridó, especialmente dos municípios de Carnaúba dos Dantas, Acari e Picuí.

“É uma área que a população usa para o lazer, como para se banhar na Cachoeira dos Fundões e outras cascatas existentes nos cursos d'água quando acontecem essas cheias”, ressalta o arqueólogo, se referindo ao período de chuvas.

“E agora essas pessoas estão sem conseguir acessar essa cachoeira para se banhar e contemplar a natureza”.

Para além do direito ao lazer, a população local também visita esses espaços para se conectar com a própria ancestralidade, lembra Silva.

“É uma área na qual a população vai coletar umbu, pois há uma grande quantidade de umbuzeiras”, pontua o arqueólogo, que tem raízes em Carnaúba dos Dantas. “O que vocês estão vendo em Gargalheiras, por exemplo, da população cultuando a água, é muito mais do que turismo e lazer: é a forma como nós aqui do Seridó nos conectamos com a nossa terra e com a nossa água”, pontua.

“As pessoas também visitam os lugares onde estão pinturas e gravuras rupestres, sabendo que ali é um local de seus e suas ancestrais. A população do Seridó guarda a memória dos ancestrais indígenas, e para além disso, a história indígena não é coisa do passado. Existe população indígena no Seridó”, ressalta Silva.

O professor Fabio Mafra Borges, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), campus Caicó, destaca a questão do patrimônio arqueológico da região. “É um tipo de bem cultural que geralmente fica relegado a segundo plano e subutilizado como recurso turístico”.

Para Borges, a implementação desses empreendimentos de energias renováveis, tanto eólica quanto solar, “mesmo com o cumprimento das regulamentações, têm de certa forma impactado esses bens culturais”.

O professor explica que determinados bens não podem ser restringidos, principalmente os bens arqueológicos, como os sítios pré-históricos, por já serem registrados como patrimônios nacionais e da humanidade com base na constituição de 1988 e nas cartas patrimoniais internacionais.

“Mesmo que seja uma propriedade privada, o dono pode gerenciar a entrada, mas não pode impedir o acesso”, afirma Borges.

Imagem: Cedida/Instituto Seridó Vivo.

Ele ainda ressalta os danos ao patrimônio que esses empreendimentos podem causar na região. De acordo com o professor, a abertura de estradas na região, por exemplo, pode causar desmatamento, uma vez que a quantidade de sedimentos que o vento e as águas transportam   seria maior, colaborando para apagar ou cobrir as pinturas rupestres. “Além disso, a área, ao ser preparada para implantar os aerogeradores, tende a ser dinamitada. Apesar de ser um processo bem calculado, com isso o impacto sísmico pode afetar o suporte rochoso onde existem essas pinturas”.

O complexo eólico Pedra Lavada

A população do Nordeste tem sofrido bastante com a implementação massiva dos empreendimentos da energia renovável, como argumenta Joadson Silva. “E aqui no Seridó, já tem vários empreendimentos eólicos, que estão crescendo, tanto em número da quantidade dos aerogeradores, como na questão de irem para outras terras sagradas da região, sendo a primeira na Serra de Santana. E como tem acontecido em todo o Nordeste, eles têm afetado drasticamente a população e o meio ambiente, que não estão desconectados um do outro”.

A restrição de uso territorial, os grandes desmatamentos, a poluição sonora e a poluição que afeta a produção da agricultura, além de efeitos na paisagem. Esses são alguns dos problemas que os empreendimentos de energias renováveis têm causado no Nordeste, como elenca Silva. Nesta segunda-feira (15), a Agência Saiba Mais noticiou que, em decisão inédita, a justiça potiguar condenou uma empresa de energia eólica a indenizar um morador da zona rural do RN, em Serra de Santana, devido aos danos morais sofridos pela poluição sonora.

“Essa área que hoje tem a chancela de Geoparque Seridó pela Unesco, antes disso, já era área arqueológica do Seridó, concentrando 50 municípios, no Rio Grande do Norte e na Paraíba e com um patrimônio arqueológico de importância mundial. As áreas Riacho do Bojo/Olho d'Água, e Riacho do Cardão, em Carnaúba dos Dantas concentram a  maior quantidade de sítios arqueológicos. Além disso, corre risco  também o mais antigo cemitério indígena do Rio Grande do Norte e do mundo, a Pedra do Alexandre, local que possui sepultamentos com mais de 10 mil anos.”, explica Silva.

O Instituto Seridó Vivo e outras entidades vêm atuando, desde o ano passado, quando a construção do complexo Pedra Lavada foi anunciado, para que esses parques eólicos não venham a ser construídos na área. De acordo com Silva,

“Esse parque se sobrepõe a todos esses sítios arqueológicos e às comunidades tradicionais, bem como a uma área que tem a Caatinga preservada”.

No ano passado, a Agência SAIBA MAIS noticiou que pesquisadores de diversas áreas e outros representantes da sociedade civil lançaram, na ocasião, uma nota técnica em que alertam sobre os impactos que o Complexo Eólico Pedra Lavrada pode causar na região. 

A reportagem não conseguiu entrar em contato com a empresa, deixando o espaço aberto para manifestação. Em 2023, o empreendimento se posicionou em nota quando questionado sobre os impactos do projeto na região alegando que o projeto “foi objeto de um profundo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que se estendeu por três anos e contou com avaliação da geodiversidade, mapeamento, inventário e caracterização do patrimônio turístico, patrimônio histórico e cultural”.

Por isso, de acordo com a nota, não haverá “danos ao patrimônio geológico – pelo contrário, as ações previstas envolvem a corresponsabilidade da empresa, junto aos órgãos públicos, na identificação, proteção e o monitoramento desse patrimônio na área dos parques”.

Resposta

O Geoparque Seridó afirmou à Agência Saiba Mais que um dos motivos para essa área em questão estar fechada no momento seria devido ao risco de acidente identificado pela Defesa Civil, em razão das 'cabeças d´água' que as chuvas trouxeram ao local.

Matéria atualizada com correção na fala do professor Fabio Mafra Borges a respeito dos sítios pré-históricos como patrimônios nacionais e da humanidade e com resposta do Geoparque Seridó em 16/04/2024.

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.