Plano de adaptação às mudanças climáticas: qual a situação de Natal?
Natal, RN 3 de jul 2024

Plano de adaptação às mudanças climáticas: qual a situação de Natal?

9 de junho de 2024
11min
Plano de adaptação às mudanças climáticas: qual a situação de Natal?
Estudo da Pública concluiu que Natal está entre as capitais que não têm esse plano, pelo menos não construído. Foto: Sérgio Henrique Santos/Inter TV Cabugi

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Promover caminhos para o ajustamento do equilíbrio entre sociedade e a natureza, mitigando os efeitos graves das mudanças do clima – essa é a essência de um plano de adaptação às mudanças climáticas. Um levantamento da Agência Pública mostrou que a maioria das capitais brasileiras ainda não tem esse plano ou estão construindo. Esta reportagem quer abordar como Natal se insere nesse contexto.

A professora Zoraide Pessoa, professora no Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IPP/UFRN), explica melhor o que é um plano de adaptação às mudanças climáticas e a importância que ele tem.

“Todo plano que tem como foco a questão climática é multisetorial. Então, um plano de adaptação climática tem, sobretudo, um foco de estabelecer normativas e diretrizes para que a gente possa ter um maior equilíbrio nas relações natureza e sociedade. Mas, sobretudo, que a gente possa atuar sobre as dimensões das vulnerabilidades.”

Essas vulnerabilidades, explica a professora, se referem à natureza, mas também às populações mais vulneráveis, em um contexto que pense as relações entre natureza e sociedade. Mas qual é a importância do plano de adaptação às mudanças climáticas? Segundo Pessoa, ele ajuda a conter, em certa medida, a magnitude dos danos provocados por eventos climáticos, o que é necessário a partir de uma capacidade adaptativa da cidade a esses acontecimentos.

“O plano de adaptação climática é importante porque vai trabalhar as condições de se adaptar a eventos climáticos extremos, trabalhando e diminuindo a exposição e sensibilidade ao risco desses extremos e, assim, evitando a extensão de um desastre, para que não chegue a uma dimensão catastrófica, com milhares de pessoas afetadas”, explica.

Ela ainda ressalta que o plano deve ser antecipatório, ou seja, já deve se preparar aos eventos climáticos extremos:“Ele não é um plano reativo, de pós ocorrência de extremos climáticos. Aí, nesse caso, seria um plano de contingência pós desastre. É outro contexto.”

Um dos pontos que um plano de adaptação às mudanças do clima precisa ter se refere a bons projetos de infraestrutura. Dentre eles, a professora cita condições de moradia, acesso ao abastecimento de água, saneamento e coleta de lixo, e destaca a questão de como é importante que uma cidade esteja preparada para fortes chuvas.

“Se a gente for pensar numa cidade que tem baixa infraestrutura urbana e essa infraestrutura urbana é concentrada em determinadas áreas, em determinados setores da cidade, você vai ter zonas que vão ser sensíveis do ponto de vista da infraestrutura urbana, como, por exemplo, drenagem. Se vai ter um excesso de chuva, é bom que o sistema de drenagem seja eficiente, seja bom, porque mesmo que ele seja sensível a um volume fora do normal de chuva, em termos de precipitação, se ele tem um bom funcionamento, ele vai conseguir conter em certa medida. Mas se ele é inexistente, como é que isso vai ocorrer? Você vai ter uma carência de infraestrutura nesse sentido.”

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“Todo esse conjunto, aliado a essa dimensão de trabalhar e diminuir as vulnerabilidades sistêmicas, se soma a isso que a gente chama hoje de infraestrutura verde azul, que são infraestruturas territoriais que têm como base a natureza para dar um equilíbrio, porque somente a infraestrutura artificial não consegue conter a extensão e magnitude de hoje dos eventos climáticos extremos”, defende Pessoa.

“Serve para que eu possa ter uma perspectiva que torne aquele ambiente capaz de ter resiliência, ou seja, no sentido que, diante de um evento extremo, eu consiga sofrer o abalo e depois me reorganizar e continuar. Quando você não tem essa capacidade adaptativa bem desenvolvida, a sua capacidade de se reorganizar e ter resiliência frente a esses extremos é muito pequena”, complementa.

E como é a situação em Natal?

O estudo da Pública concluiu que Natal está entre as capitais que não têm esse plano, pelo menos não construído. Trecho da resposta do município de Natal à pesquisa diz:

“Estamos elaborando o plano de ações climáticas de Natal. Já fizemos a primeira e segunda versão, no final do ano teremos uma versão definitiva porque iremos fazer a coleta de dados primários. Seremos a única capital do Brasil a ter estações fixas para coletar emissões de gases de efeito estufa e fazer análises, comparando áreas preservadas a áreas mais urbanizadas. Portanto, já temos o Plano de Mudanças Climáticas, mas estamos avançando no nosso plano de ações climáticas, baseado no que aprovamos no novo Plano Diretor de Natal, que tem nossa política municipal de combate à mudanças climáticas.”

Confira – respostas das capitais à Agência Pública

Além disso, nesta última semana, durante o “1º Seminário de Desafios Climáticos: Impactos nas Cidades, Mitigação e Adaptação”, o titular da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) de Natal, Thiago Mesquita, disse que o novo Plano Diretor de Natal, sancionado em 2022, “tem um instrumento inovador em território nacional que é o Plano Municipal de Mudanças Climáticas, que envolve muitos aspectos como compensação ambiental obrigatória, dentre outros aspectos  que garantem a preservação de recursos naturais visando proteger o meio ambiente através de medidas efetivas estabelecidas como metas".

Segundo a Prefeitura, o atual Plano Diretor estabelece a elaboração do Plano Municipal para Mudanças Climáticas (PMMC), com objetivo de tornar compatível o desenvolvimento econômico e social com a proteção do sistema climático e a implementação de medidas de adaptação e mitigação às mudanças do clima.

A professora Zoraide Pessoa explica que o Plano Diretor atual traz apenas indicativos da elaboração do plano de adaptação às mudanças climáticas em Natal, ou seja, como mostrou a Pública, não dá para dizer que a capital potiguar tem esse plano.

“Inclusive, no Plano Diretor, as discussões de mudanças climáticas não são aprofundadas, elas são indicativas”, explica Pessoa.

Plano de ações climáticas

Com relação ao plano de ações climáticas que a Prefeitura está trabalhando, apesar da importância, Pessoa explica que, nesse modelo, a dimensão da adaptação climática não é trabalhada de forma mais detalhada.

“Em geral, você trabalha a dimensão da mitigação, que é a diminuição da exposição dos gases do efeito estufa que vem alterando a normalidade desses padrões climáticos. Então têm diferenças. Algumas prefeituras, algumas cidades, sendo 20 cidades no Brasil, entre capitais não capitais, têm planos de ações climáticas e na maioria desses planos o foco é diminuir as emissões de gases do efeito estufa, que são bastante simplórias do ponto de vista de uma adaptação. O ideal era que as cidades, os estados e o país tivessem um plano de mudanças climáticas em que eu envolvesse tanto a perspectiva de mitigação – que é essencial que você diminua as emissões de gases de efeito estufa – mas você também tenha a dimensão de adaptação. E aí você trabalha nas vulnerabilidades do ambiente, da população, do território, a fim de que esse contexto sistêmico, na ocorrência do evento extremo, não seja tão exposto ao risco, ele possa ter uma capacidade de ação e se reorganizar e ter resiliência.”, argumenta.

Orla de Natal

Quando se fala das questões socioambientais na capital potiguar, outro tema que veio à tona recentemente é o da regulamentação das construções na orla de Natal. Como explica Pessoa, no atual Plano Diretor, não há sensibilidade para essa questão.

“A orla faz parte do componente zona costeira e oceanos, e esse componente é altamente sensível em termos ao extremo climático que vai provocar, em certa medida, o aumento do nível do mar. E Natal não está estruturada para isso. Toda a sua costa e orla é profundamente afetada por processos profundos de erosão costeira e não vejo, na proposição do Plano Diretor atual, nenhum indicativo de atuar frente a essa vulnerabilidade ambiental, que é a erosão costeira. Então, dentro dessa perspectiva, inexiste uma perspectiva de adaptação climática num contexto de orla na cidade de Natal. Na realidade, não existe qualquer perspectiva de ação de adaptação climática para a cidade como um todo e no equilíbrio dos seus ecossistemas naturais e sociais.”

Nesse sentido, a perspectiva de ampliar a especulação imobiliária, a exemplo da orla de Natal, é um problema, defende Pessoa.

“A gente vê esse momento preocupante quando se coloca a questão de ampliar a especulação imobiliária em áreas que são extremamente sensíveis ao clima, que é o contexto de orla, onde se tem uma perspectiva de aumento do mar. Natal é uma cidade litorânea e ela precisa dessa reserva natural para poder conter esses possíveis impactos. A gente não tem uma sensibilização mais ampla dos poderes nesse sentido para a cidade, pensando a cidade hoje, mas pensando também ela no seu futuro, e no futuro muito próximo, não é um futuro que vai acontecer daqui há tantos anos, algumas décadas. Está acontecendo agora: em qualquer extremo de precipitação de chuva em Natal, a cidade para e não consegue ter mobilidade nenhuma.”

Diversos caminhos a serem seguidos

Além de um plano de adaptação às mudanças climáticas que integre tanto a perspectiva de diminuição dos gases de efeito estufa quanto a questão da vulnerabilidade das populações e dos territórios, Zoraide Pessoa aponta outros caminhos. Em conjunto, essas alternativas ajudam a cidade a preservar o meio ambiente, construindo uma perspectiva que não atue somente em um contexto pós-desastre, mas que possa ter uma capacidade adaptativa às mudanças climáticas.

“Um fundo ambiental e climático, para investir na infraestrutura verde e azul da cidade. Natal precisa aumentar sua cobertura vegetal. É uma cidade que vem perdendo, então isso significa que você está perdendo áreas que são amortecedoras desses efeitos climáticos. A gente precisa de fato estabelecer e regulamentar e mesmo ampliar as nossas zonas de proteção ambiental, porque elas servem como amortecedores. Precisamos redefinir o parâmetro de ocupação e condução da especulação imobiliária, a fim de que ela não seja intensificada em áreas que já são sensíveis e expostas. A orla é um grande exemplo.”

“Nós [em Natal] temos uma carência de um executivo sensível a essas questões, e uma casa legislativa que não atua de forma frente a esses debates de forma propositiva”, defende a professora.

Ela defende, ainda, uma maior participação popular nas questões socioambientais.

“E a gente precisa, também, de uma transformação da sociedade, porque a sociedade precisa se colocar mais diante dessa problemática e cobrar mais. Esse ano nós temos ano de eleição e é importante que as pessoas estejam atentas ao posicionamento dos possíveis novos gestores frente a essas questões. Elas são fundamentais, porque a gente não está mais falando de problemas que vão ocorrer em 2030, 2050, 2100. Os extremos climáticos estão ocorrendo agora.”

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