Caicoense transformou a dor do luto em homenagem para 40 mulheres
Natal, RN 8 de mai 2024

Caicoense transformou a dor do luto em homenagem para 40 mulheres

22 de novembro de 2023
8min
Caicoense transformou a dor do luto em homenagem para 40 mulheres
Foto: cedida

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No ano de 2012, o jovem Matheus Arruda da Silva vivenciou a perda de sua mãe, Francisca Arruda da Silva. De 12 filhos, Matheus era o único que permanecia residindo com sua mãe, e naquela perda sentiu faltou o chão sob seus pés. Mas foi desse luto que surgiu uma busca por referências e o início de um projeto de valorização da mulher.

"Durante o luto, começou a dar uma virada de chave na minha cabeça acerca da importância da presença feminina que acabara de perder. É como se, diante do breu, caísse uma luz sobre mim, como se me dissesse: e agora? Isso me fez buscar em outras mulheres tudo aquilo de que fiquei órfão. Num curso de audiovisual ganhei quatro amigas, mães leoas, que dão a vida pelos filhos. Busquei uma forma de homenageá-las, e isso resultou numa homenagem a 40 mulheres" explica Matheus.

O curso de audiovisual, citado por Matheus, é o curso “Caravana Rec”, de difusão e formação audiovisual, que esteve em Caicó através do trabalho de Nathalia Santana e Carito Cavalcanti. As mulheres que, sem tomarem conhecimento de sua ideia, inspiraram o ponta pé de seu projeto foram a historiadora Eunice Farias, a professora Socorro Araújo, idealizadora do projeto Café no Mato, Nícia Brito e a jornalista e orientadora social Anna Jailma. A troca de experiências de vida e compartilhamento de ideias no grupo despertou em Matheus Arruda a vontade de homenagear mulheres, em reconhecimento por esta sensibilidade do ouvir, do acolhimento e da amizade.

"A partir daí me encontrei, me refiz, e busquei uma forma de homenageá-las por tudo que fizeram, mesmo não sabendo, nem tendo a intenção. Nossa ligação transformou o luto em festa, trouxe beleza às cinzas, e fui buscar referência em todas as mulheres do mundo, que lutam e lutaram por direitos e liberdade" diz Matheus.

Matheus passou a desenvolver pesquisa sobre mulheres que, de forma positiva, revolucionaram regras impostas pela sociedade, conquistaram direitos para todas as mulheres, foram pioneiras em diversas áreas e foram fundamentais para o progresso da vida em sociedade, no Brasil e no mundo.

"Mergulhei de cabeça em documentos, atas, livros, jornais, internet, e montei um corpus documental diversificado, de inúmeras mulheres que fazem e fizeram história no sertão, no Brasil e no mundo, modelos de inspiração que transformaram suas vidas, suas histórias, como modelos de garra, superação e luta. Isso resultou em 75 colares para serem distribuídos gratuitamente”, informa Matheus.

Foto: Anna Jailma

A partir disso, Matheus ampliou o olhar da cidade de Caicó RN, e passou a observar várias outras mulheres que, de alguma forma, carregam a força que sua mãe deixou para ele como legado. Por onde andava, em apresentações artísticas, exposições, e em simples contatos rotineiros, Matheus começou a selecionar mulheres para serem homenageadas com seus colares.

Em Caicó, 40 mulheres estiveram reunidas em café compartilhado, no entardecer do feriado de 15 de novembro, para receberem a homenagem, no projeto que Matheus intitulou de "Mulheres do Agora - as do ontem e as do hoje". Foram homenageadas mulheres donas de casa, enfermeiras, artesãs, escritoras, professoras, jornalistas, poetisas, médicas, assistentes sociais, empreendedoras, fotógrafas, cantoras, musicistas, artistas audiovisuais, doceiras, e tantas outras.  Algumas conhecidas de Matheus, por algum tipo de convivência, outras que ele tomou conhecimento de sua história e convidou.

"Matheus, em sua sensibilidade, nos fez olhar para nós mesmas, para nossa atuação na sociedade, a exemplo de outras mulheres em épocas passadas. Todas agentes de mudança em seu tempo. Senti-me honrada com a homenagem", disse Eunice Farias, historiadora e artesã.

Eunice Farias | Foto: Anna Jailma

O evento aconteceu no Forte do Cuó, lugar histórico, berço de Caicó, onde está localizado o alicerce da primeira Capela para Sant'Ana, e onde houve a guerra dos bárbaros, entre colonizadores e indígenas. No cenário de lajedos, os colares foram expostos, pendurados entre árvores da caatinga, em espécie de varal, com galinhas de pereiro. As mulheres foram convidadas a escolherem o colar que mais se identificassem.

O evento Mulheres do Agora oportunizou um lindo entardecer voltado para mulheres caicoenses e seridoenses, contemplando a diversidade do universo feminino. Tratou-se de uma justa homenagem que o jovem Matheus, idealizador do projeto, oportunizou as participantes, com a degustação de um maravilhoso café compartilhado ao som de música ao vivo, recitação de poesia e bate papo livre, com troca de saberes entre as participantes", disse Sandra Rosário, assistente social e musicista do grupo Lydias Brasileiras.

Grupo As Lydias Brasileiras - Cynara Verás, Sandra Rosário e Maria das Vitórias | Foto: cedida

São 75 colares, em acrílico, com frente e verso, que trazem a fotografia e a história, da mulher em destaque. Entre as mulheres dos colares estão Joênia Wapichana, primeira mulher brasileira de origem indígena, formada em Direito; a jornalista Glória Maria, a atriz Fernanda Montenegro, a escritora Clarice Lispector, a poetisa Cecília Meireles, a guerreira dos Palmares, Dandara; a escritora Carolina de Jesus, e a primeira romancista do Brasil, Maria Firmina dos Reis. Há também, colar com a pintora mexicana Frida Khalo, Sofia Lonescu, primeira neurocirurgiã da história; Maud Stevens Wagner, que era acrobata circense e foi a primeira tatuadora profissional de que se tem notícias; e Nise da Silveira, que revolucionou a psiquiatria, manifestando-se contra o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoque e outros métodos que ela considerava agressivos.

Entre as potiguares, estão a mossoroense Celina Guimarães, primeira mulher a votar no Brasil; a caicoense Júlia Medeiros, feminista, política, jornalista e pioneira em várias atitudes da época; a indígena Clara Filipa Camarão, nascida onde hoje é bairro Igapó de Natal, que destacou-se em batalhas, durante as invasões holandesas em Olinda e no Recife; a poetisa Auta de Souza, de Macaíba, e Nísia Floresta, da cidade de Nísia Floresta, educadora, escritora,  com protagonismo no  jornalismo e nos movimentos sociais.

Matheus distribuiu os 40 colares e faz planos de ampliar o projeto, pela satisfação de ver mulheres reunidas, felizes, e emocionadas, por sentirem este reconhecimento.

"Esse projeto tem extensões, e ainda existem muitas outras mulheres para serem homenageadas. Meu sentimento é gratidão, por ter dado tudo certo, pela presença das mulheres, pela realização pessoal, pelo desejo de ver nas homenageadas um sorriso, um olhar brilhando, e por poder fazer com que muitas mulheres do passado, de lindas histórias, ficassem mais conhecidas, através do projeto" conclui.

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Essa reportagem faz parte do projeto "Saiba Mais de perto", idealizado pela Agência SAIBA MAIS, e financiado com recursos do programa Acelerando Negócios Digitais, do ICFJ/Meta e apoio da Ajor.

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