Vic Kabulosa: voz e resistência preta e LGBT da Zona Norte
“Vic Kabulosa é a voz de muitas meninas, corpos LGBTS e figuras impossíveis que foram ocultadas durante o tempo”. É assim que se define Vic Kabulosa, multiartista, cantora, estudante de música na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), além de ser professora de música e de expressão corporal e uma voz da resistência preta e LGBTQIAP+ da Zona Norte de Natal. A artista é considerada uma promessa do cenário artístico potiguar da Zona Norte. Mulher trans e preta, Vic ousa e desafia uma sociedade machista, racista e transfóbica.
“É uma junção de dores, é uma junção de alegria, é uma compilação de arte que me faz estar viva, podendo cantar e podendo usar todas as minhas dores como uma forma de resistir e de dizer: ‘Olha o canto do povo negro. Olha o canto do povo LGBT. Olha como tudo isso faz ser quem sou”, desabafa a multiartista.
Vic Kabulosa surgiu na contramão do sistema sendo a voz da resistência, da ocupação e do incômodo. Vindo da periferia e das noites potiguares, a cantora bebeu de todas as referências que um artista potiguar pode ter.
“Ela surge das noites da Redinha, das noites do Santarém, do Soledade e desse outro lado da ponte. Então, por isso o nome ‘Kabulosa’, né? ‘Kabulosa’ surge como um corpo que existe vivendo”, completa.
Foi justamente por vir dessa região, que resistência é a palavra que define a existência de Vic Kabulosa.
“Eu acredito que ser um artista da Zona Norte é muito mais do que a única coisa que eu sei fazer. É a condição de viver que eu tenho. É uma questão de resistir. Porque tenho que resistir num lugar onde não se movimenta, não se fomenta cultura, ou num espaço onde a gente não consegue se enxergar enquanto artista da periferia”, comenta.
Não que não exista cultura na região, o problema é que a invisibilidade que a classe artística enfrenta, sendo apagada e esquecida do restante da cidade.
“Existe muita gente boa que é da Zona Norte e por aquela questão cultural que a gente tem, a gente acaba sendo inviabilizado por muitas questões, sabe? Tipo do cachê ser quase o valor de um uber, sabe? Das contratações, das informações, dos espaços ocupados sempre chegarem primeiro pra quem está do outro lado”, completa a artista se referindo às oportunidades dada aos artistas do outro lado da ponte.
“Produzir arte potiguar da Zona Norte de qualidade é uma questão de resistir. Khrystal é daqui, também tem a galera do rap e tal. Tem muita gente boa aqui. Então, acho que o problema não é sobre o cenário, e sim sobre a forma que como nos veem. A forma que nos potencializam e nos permitem também. Porque por falta de permissão, a gente acaba não tendo acesso a muitas coisas que quem está do outro lado da ponta acessa de uma forma mais fluida”, completa.
“A maior dificuldade de todas é estar e sobreviver num ambiente onde não existem políticas públicas voltadas para corpos como o meu”, desabafa Kabulosa.
A arte é o que mantém Vic viva. É da arte que ela impulsiona suas vivências e suas realidades. A professora é sozinha, depende exclusivamente de si para se manter e ainda precisa administrar a carreira, estudar e lutar para se manter viva, assim como a maioria dos pobres, pretos e moradores da periferia do Brasil. Ela é enfática ao explicar como é preciso ‘hackear’ o sistema para conseguir ter acesso a oportunidades para se manter viva.
Segundo relatório divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil foi pelo 14º ano seguido o país que mais matou pessoas trans no mundo. Em 2022, foram 131 pessoas trans mortas no Brasil. É esse sistema feito para matar que Vic Kabulosa e inúmeros corpos trans precisam hackear todos os dias.
“Então, a minha maior dificuldade é me manter viva mesmo. Me manter viva, saudável e alimentada, tá ligado? Ainda é o básico. O que afeta na minha carreira é, tipo, todos esses problemas pessoais de me manter viva, basicamente, sabe? E eu lido com isso com a arte. Ela vem fazendo você estar viva. A arte vem me mantendo sobrevivente. A arte, ela vai me mantendo impulsionada”, finaliza.
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Essa reportagem faz parte do projeto "Saiba Mais de perto", idealizado pela Agência SAIBA MAIS, e financiado com recursos do programa Acelerando Negócios Digitais, do ICFJ/Meta e apoio da Ajor.
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