Afroempreendedoras lutam e adoçam páscoa em Natal
O período pascal, para muitos, significa um tempo de renovação, paz, harmonia, dar e receber chocolates. Nesse contexto, confeiteiras afroempreendedores trabalham dobrado, resistem e adoçam a páscoa das famílias que optam por trocar as grandes empresas de chocolate por pequenas produtoras. Fernanda Oliveira e Karina Silva, são mulheres pretas, confeiteiras, moradoras de periferias e buscam por espaço em seus próprios negócios.
Além de todas essas características em comum, ambas possuem uma em que muitas mulheres estão inseridas: a jornada dupla. Jornada que muitas vezes é invisibilizada e já virou até tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Fernanda Oliveira começou a fazer doces em 2019, enquanto ainda estudava para o Enem.
“Minha mãe não queria que eu trabalhasse pra focar no Enem. Mas pedi dinheiro emprestado pra comprar só os materiais básicos e comecei”, lembra.
Vendendo apenas para seus amigos, logo os chocolates de Fernanda ganharam gosto de mais e mais pessoas. Foi daí que nasceu o “Doces Girassóis”, pequeno empreendimento que vende ovos de páscoa caseiros, bolos e doces de chocolates.
“Divulguei apenas no Whatsapp para meus amigos e não esperava receber tanto apoio. Depois comecei a fazer delivery pela Zona Norte e até comecei a levar pra UFRN e pro estágio”, relembra Fernanda, que além de confeiteira, cursa Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
“Minha maior dificuldade, como uma pequena empreendedora no ramo da confeitaria, é o Pós-Páscoa. É difícil você viver apenas da confeitaria, por mais que você ame. Acho que todo o empreendimento tem oscilações no mercado, onde vem aquela vontade de parar ali e voltar para a CLT. O mercado da confeitaria é algo que está bem superlotado, já esteve bem mais e essa superlotação fez muitas confeiteiras desistir do seu negócio e até mesmo grandes confeiteiras fecharem as portas”, pontua.
Assim como Fernanda, Karina Silva também começou a fazer doces quando ainda estudava. Para a moradora de Cidade das Rosas, em São Gonçalo do Amarante, fazer brigadeiros significava uma ajuda na renda enquanto cursava o ensino médio. Ao ingressar no mercado de trabalho, em 2022, a doceira viu que muita gente vendia produtos na empresa e pensou que poderia voltar a fazer o que gostava: doces.
“Foi aí que tive a ideia de vender brownies e brigadeiros. Como eu nunca tinha feito brownie na minha vida, busquei coragem e vídeos no Youtube e fiz. A primeira experiência não foi boa, mas o pessoal gostou e continuei praticando. Vendia brigadeiros e levava umas 2 vezes na semana e era uma procura grande. E numa dessas procuras, me perguntaram se eu fazia cento de doce [100 unidades de doces] e eu nunca tinha feito, mas quis arriscar e disse que faria. E deu certo. As buscas foram aumentando e eu consegui conquistar alguns clientes fixos”, destaca.
Nesta páscoa, Karina decidiu se aventurar com outras receitas de chocolate. Por isso, ela criou o Instagram @_docurasdakaa, para vender seus produtos, já que segundo ela, isso aproxima o cliente e a doceira.
“Gosto sempre de mostrar as encomendas que pego e que estou sempre nas ativas”, comenta.
Mas trabalhar com vendas de doces e para si própria não é uma tarefa fácil. Especialmente quando se é mulher.
“São tantas dificuldades. O primeiro de tudo é conciliar o tempo. Ainda mais tendo uma jornada dupla. Fazer doces pela manhã e ir para o trabalho de tarde. Gostaria de fazer doces todos os dias para vender, mas o cansaço vence”, lamenta a confeiteira, que também é operadora de telemarketing.
“Outra dificuldade é a questão do valor. Acho que pelo fato de ser microempreendedora , muita gente quer por preço no meu trabalho, coisa que não fazem nas grandes empresas. Outra coisa também, é dedicar um tempo para divulgação nas redes sociais. Às vezes eu gostaria que o dia tivesse 38h”, completa.
No RN 33% mulheres são donas dos próprios negócios
De acordo com o Sebrae, em uma pesquisa realizada no 4° trimestre de 2023, apenas 33% das mulheres do Rio Grande do Norte são donas dos próprios negócios. São 122,32 mil mulheres que lutam por um espaço dominado quase completamente por homens. No comércio, são 42% de mulheres contra 58% de homens.
Fazendo um recorte racial, segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2020, realizada no Brasil pelo Sebrae em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBPQ), em 2020, 62,3% dos adultos pretos e pardos apresentavam desejo em ter o próprio negócio, uma diferença de 9,6 pontos percentuais se comparado com os adultos brancos (52,7%).
“Ser uma mulher empreendedora, ainda mais pobre e negra nessa sociedade capitalista é um grande desafio.”, desabafa Fernanda, lembrando de todas as vezes que teve seu trabalho invisibilizado.
“Existem pessoas que pensam que confeitaria é apenas usar leite condensado e pronto. Mas vai além disso. Você compra no mercado, vai atrás de embalagens, fala com o cliente, faz sua produção, fala com motoboy, organiza a embalagem e depois lava a louça. Agora imagina isso tudo para uma única pessoa fazer sozinha? É muita tarefa e responsabilidade. Então o trabalho da mulher confeiteira deve ser valorizado e exaltado”, completa.
Karina também compartilha dessa sensação.
“Ser mulher, por si só, já é uma tarefa árdua. Muitas das vezes somos desacreditadas do nosso potencial, por ser do gênero feminino. No mundo do empreendedorismo não é diferente. Muitas mulheres possuem jornadas duplas e até triplas, juntando trabalho, cuidar de casa, filho e marido.”, desabafou. “No mundo do microempreendedorismo o papel exercido pela mulher é ainda mais desafiador. Ser microempreendedor significa que você possui uma empresa e exerce todas as funções exigidas por ela, ou seja, a jornada de trabalho da mulher torna-se ainda maior”, conclui.
O amor pela confeitaria fez com que Fernanda não desistisse de continuar. E por mais que algumas pessoas romantizam o excesso de trabalho e acreditem em meritocracia, a estudante de serviço social lembra que o microempreendedor é uma função descoberta.
“Se a confeiteira adoece, ela para de produzir e muitas das pequenas empreendedoras não tem como contribuir com a previdência. Ainda tem a questão do assédio, que nem trabalhando por conta própria, a gente está livre disso”, conscientiza.
Karina encara a profissão como um desafio que precisa vencer. E a cada pequena conquista, ela sente que a força feminina se multiplica. “Cada dia ultrapassamos mais um obstáculo. E isso demonstra que a cada dia a garra e a força das mulheres se multiplicam. E eu espero que isso seja repassado para as próximas gerações de mulheres do mundo”, finaliza.
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Essa reportagem faz parte do projeto “Ser Mana, Mulher", idealizado pela Agência SAIBA MAIS para produção de pautas dedicadas a temas que impactam diretamente a vida das mulheres, ao tempo que contamos as histórias de Mulheres.
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