Saudade estimula artista a eternizar história de Upanema em quadros
Há 23 anos, a socióloga Lígia Bezerra saía de Upanema, cidade de 14.800 habitantes, a 280 quilômetros de Natal, para outros projetos na capital. Entretanto, uma parte da sua cidade nunca saiu de dentro dela. Como não conseguiu deixar as lembranças que carrega da terra, vai tentando matar a saudade através da pintura. Foi daí que nasceu a exposição “Um olhar na terrinha”, que retrata em acrílico sobre tela, as cores e a paixão de Lígia pelas suas raízes.
O acervo de oito quadros compôs as comemorações de 70 anos emancipação da cidade, celebrados em setembro deste ano, recebendo a visita de cerca de 800 upanemenses e turistas que participaram das festividades municipais.
A história começou ainda durante a infância de Lígia.
“As pessoas me chamavam de ‘Lígia pintora’. Na escola, sempre fui destaque nessa área. É uma coisa minha, que vem de dentro para fora”, diz.
Naquela época, ela não tinha dinheiro para comprar pinceis, telas, tintas. Sua arte eram os desenhos de criança. A família percebia que ela tinha talento, mas não acreditava que pudesse viver disso e a infância foi sendo preenchida pelas brincadeiras no rio, na várzea, as idas à feira e à praça Padre Adelino, espaços conhecidos dos upanemenses.
Anos depois, longe fisicamente destes lugares, surgiu a ideia de retratar as paisagens que fizeram parte de sua história nos quadros, que também são sua paixão. Ela buscou o apoio da Prefeitura de Upanema e firmou uma parceria para participar dos festejos de aniversário do município através das pinturas.
“Eu queria que ficasse para outras gerações. Retratei os pontos que fizeram minha história, tem o rio Upanema, a Carnaúba, a feira, a praça padre Adelino, a igreja Matriz, onde tudo começou, a barragem, uma construção mais recente e que tem dado contribuição econômica para o município. Queria deixar um legado porque tem grande importância para mim. Fiquei muito feliz porque mesmo não morando lá, as pessoas gostaram do trabalho, gostaram da ideia”, comemora.
As obras foram expostas no Centro de Convenções Francisco Alex de Oliveira Neto da cidade, onde também aconteceram outros eventos comemorativos. Nas 8 telas expostas estão retratadas a história de Lígia e de Upanema, através das belezas naturais, culturais e econômicas da cidade. Numa delas, além do mercado público, está imortalizada na pintura a Rural Willys 66 que era do seu pai, Seu Duda, outro marco na vida de Lígia.
A Rural de Seu Duda
A rural Willys 66 de José Eduardo Félix, o "Seu Duda", pai de Lígia, é um capítulo à parte da história popular de Upanema. Desde 29 de janeiro de 1990, a rural de Seu Duda circula pela cidade.
Mecânico, ele adaptou o novo veículo para dali tirar o sustento da família. O carro foi pioneiro no transporte escolar. “Naquela época não havia ônibus escolares, mas lá estava a Rural, levando e trazendo alunos dos sítios para a oportunidade de conhecimento”, relata a filha, na ocasião do aniversário da cidade, quando Seu Duda e sua Rural estiveram entre os homenageados.
Foi ainda o primeiro carro de linha, levando passageiros de Upanema a Campo Grande por 17 anos, entre 1991 e 2008. Igualmente na década de 90, a Rural fazia missões, levando evangelização aos sítios do município.
Seu Duda se aposentou, mas a Rural não. Ela, desde 2004, carrega os feirantes, dos assentamentos até a feira de Upanema, também retratada em um dos quadros da artista.
Um olhar na terrinha
Em tons de azul, o rio Upanema e a antiga chaminé, a várzea com seus grandes carnaubais ao longo do leito do rio Upanema, a igreja Matriz de Nossa Senhora Imaculada Conceição, a feira de Upanema e sua diversidade de cores estão eternizados nas pinturas. Ruas da cidade e a barragem de Umari são retratadas numa perspectiva aérea. Todas as paisagens sob o céu azul característico do sertão.
Há ainda a obra ‘Sertão’, arte que foi selecionada para o concurso de pinturas Cores do sertão, em 2021. Juntamente com outras telas, ficou exposta no salão Dorian Grey, em Natal, e depois seguiu para nova exposição em Mossoró. A de Lígia foi cedida para acervo da secretaria de Upanema.
Hoje, o trabalho da artista está exposto no Complexo Cultural Dr. Milton Marques de Medeiros, sede da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto de Upanema.
Já Lígia, segue produzindo.
“Estou procurando aperfeiçoar minha técnica, meu dom, e estou agora em um novo passo, pitando a óleo. Pretendo fazer outras exposições, retratar outros temas e quem sabe levar outra história, de um povo, de alguém, para mais pessoas”.
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Essa reportagem faz parte do projeto "Saiba Mais de perto", idealizado pela Agência SAIBA MAIS, e financiado com recursos do programa Acelerando Negócios Digitais, do ICFJ/Meta e apoio da Ajor.
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