Serra do Mel: rádio comunitária leva o bem à Vila Amazonas
É de um quartinho que sai a rádio Difusora Local, criada pelo Senhor José Varela, chamado popularmente por Seu Zé Varela. Em pleno funcionamento, é com três microfones, um cabeçote amplificador de som e alguns megafones que ele transmite a programação diária para os cerca de 300 moradores da Vila Amazonas, uma das comunidades rurais do município de Serra do Mel, a 251 quilômetros de Natal.
Segundo José Varela, “não é uma rádio mesmo, é uma difusora local, um sistema de rádio a cabo com transformador de linha”, criada com o objetivo de “evangelizar e facilitar a comunicação das pessoas na Vila”.
A Vila Amazonas é uma das 23 vilas comunitárias de produção, núcleos habitacionais criados para constituir uma reforma agrária na região.
A cidade de Serra do Mel é composta pelos 23 núcleos (22 vilas rurais e 1 vila central) que receberam, cada uma, o nome de um estado brasileiro. Esse modelo de colonização foi idealizado no governo de Cortez Pereira nos anos 70. Após período de ocupação das vilas, em 1988, Serra do Mel se tornou um município do Rio Grande do Norte. Criada no ano 2000, a rádio segue em pleno funcionamento todos os dias.
Difusora Local
Na programação, criada por Seu Zé, além dos avisos populares, como de perda de objetos e produtos à venda, programas religiosos tomam boa parte dos horários, não importa a religião. Seu Zé Varela transmite a missa diária da TV Aparecida, o programa Juntos Somos Mais, da igreja evangélica Assembleia de Deus, o programa A Voz da Profecia, da Igreja Adventista do Sétimo Dia e a missa da igreja local.
“Minha religião é a católica, mas a gente tem que atender a todos, não pode discriminar ninguém. No final, dizem que é um só rebanho, um só pastor. Aí Deus é quem vai saber, a gente tem que fazer a parte da gente sem discriminar ninguém”, explica.
Também faz campanhas solidárias quando alguém da comunidade está doente e, aos sábados à tarde, tem o “Sementes do amanhã”, programa social com notícias e com histórias de conquistas dos próprios moradores através de suas lutas “para que o jovem veja a importância e siga esse caminho”. Também não falta música, tanto a religiosa, quanto músicas de acordo com os temas que são comentados, como estratégia, para ilustrar melhor e “o pessoal se ligar mais nos assuntos”, explica.
Às vezes transmite entrevistas do seu “gravadorzinho”, “quando o pessoal não vem ao vivo”, com representantes da comunidade, da igreja ou de associações, o prefeito, ou vereadores.
A rádio não funciona o dia todo, só “nos horários que precisa”, quando tem programa ou há necessidade de algum aviso, mas funciona todos os dias.
Nos programas, participam duas ou três pessoas, e seu José fica como controlador de som. O restante faz sozinho, de forma voluntária, “ninguém cobra por aviso, por programa, ninguém cobra nada de nada”.
Durante a pandemia, foi contemplado pela Lei Aldir Blanc (lei federal de apoio emergencial ao setor cultural), o que o permitiu comprar novos equipamentos.
A população participa e conta com o trabalho de Seu Zé no dia a dia.
“Ele é um dos nossos patrimônios imensuráveis que a Serra do Mel tem, seu valor vai tão além, que muitos ainda nem se deram conta do tesouro ao nosso lado. Eu mesmo, antes de estar gestor de Cultura, desconhecia essa preciosidade e ouvi tantos depoimentos emocionantes de pessoas que o admiram e fizeram parte de toda essa história tão encantadora. Pude ver no presente, meio a Vila Amazonas, megafones em árvores, e pensei "que legal! O que é isso? Alguém manda som pra toda vila de uma vez?" Parecia mentira ver de perto a rádio e muito mais ele, José Varela, um ser humano incrível, que palavras não o descrevem com exatidão”, expõe Gerson Luiz, diretor de Cultura do Município.
Aos 75 anos de idade, Seu Zé fala com voz firme, mas ainda assim frisa que não tem vocação para radialista.
“A rádio não é profissão, é só uma prestação de serviço para a comunidade. Não tenho vocação para radialista não, é porque diante das necessidades às vezes a gente faz coisa que não sabe”, expõe com humildade sobre o trabalho que faz diferença na comunidade há 23 anos.
Todo esse serviço é dividido com a lida na terra. Casado há 50 anos com uma segunda esposa e pai de oito filhos, Seu Zé Varela cursou o ensino fundamental (na época 1º grau) incompleto. É agricultor desde os quatro anos de idade. Está em Serra do Mel há 38 e foi um dos colonos das vilas, auxiliando no fortalecimento da agricultura familiar no município. Fica entre os microfones e as plantações de caju – atividade base da economia do município -, feijão, gergelim e macaxeira. Também trabalha como apicultor. “A gente, além de plantar o bem, planta essas coisas também”, diz com orgulho.
________________________________________________________________________________
Essa reportagem faz parte do projeto "Saiba Mais de perto", idealizado pela Agência SAIBA MAIS, e financiado com recursos do programa Acelerando Negócios Digitais, do ICFJ/Meta e apoio da Ajor.
Leia também:
Projeto Saiba Mais de Perto combate "desertos de notícias" no RN
Tibau: Estudantes participam da maior feira de ciências do mundo
Aldeia Sesc Seridó reúne artistas de Caicó em Cortejo Cultural
Comerciante morre em acidente por buraco na Zona Norte de Natal
Coletivos independentes movimentam a sétima arte em Mossoró
Seridó: Aos 93 anos, Maria Albino faz doces para acolher pessoas
Depois te Conto: jovens da Zona Norte criam série independente de humor
Caatinga: famílias vivem da natureza no Parque Nacional da Furna Feia
CMEI na Zona Norte realiza exposição inspirada em Ariell Guerra
Currais Novos: Congresso das Batalhas reuniu artistas de Hip Hop
Maior produtor de atum do RN não leva pescado à mesa areia-branquense
Caicoense transformou a dor do luto em homenagem para 40 mulheres
Como resiste o afroempreendedorismo do outro lado da ponte
Medalhista mundial de Taekwondo conheceu esporte em associação de Assu
“No Seridó a Reza é Forte” destaca indígenas e africanos no RN
Zona Norte: projeto da UFRN leva comunicação para escola pública
Em Ouro Branco, a preservação do patrimônio coloriu a cidade
Fábrica de polpa de frutas transforma vida de mulheres agricultoras
As chuvas fortes em Natal e o caos na Zona Norte
Com 74 anos, Manoelzinho produz telas em latonagem e fotocorrosão
Patu: Cineatro leva reflexão social a estudantes de escolas públicas
Redinha: trabalhadores seguem desamparados após 3 meses de protestos
Jornal impresso “Quinzenal” resiste há 19 anos em Caicó
MPRN terá ação do projeto Pai Legal na Zona Norte
Saudade estimula artista a eternizar história de Upanema em quadros