Em Jucurutu, Recanto da Tapera tem afeto e história no prato
É comum na região Seridó a presença de imponentes casarões, com histórias de momentos festivos em bailes no terreiro, celebrações nos alpendres e muita confraternização das famílias. Com o passar dos anos, houve o êxodo rural, mas grande parte dos casarões persistiram na sua missão de agregar pessoas em volta da mesa farta, mantendo o vínculo, de geração a geração, do povo seridoense com o campo. No município de Jucurutu, um casarão de 1835 transformou-se no Restaurante Recanto da Tapera, pelo respeito de seus herdeiros memória do lugar.
No Sítio Tapera, até 2006, o casarão era lugar de receber pessoas da família e amigos, com muita gente reunida em volta da mesa e prosa no alpendre. Com o falecimento da dona da casa, Paulina Freitas de Araújo, em 2006, e a ida do marido, Francisco das Chagas Bezerra, para a cidade, em 2012, o casarão que era cheio de vida, foi fechado, tornou-se silencioso e sem visitantes. Daquele antigo cenário, permanecia somente as árvores frondosas e o casarão, que aos poucos se deteriorava. Mas em 2020, um dos filhos do casal, Terciano Bezerra de Araújo, resolveu reunir a família e resgatar a história de seus antepassados.
“A gente tentou colocar pessoas que quisessem morar aqui, só para manter, preservar, mas não deu certo. Fechamos o casarão e no início da pandemia, em 2020, eu vinha de Jucurutu para Caicó e fazia 3 anos que eu não entrava aqui. Vi a porteira quebrada, a cerca derrubada e resolvi entrar. Fiquei triste, porque o casarão estava cheio de mato ao redor, telhas e janelas quebradas, como se estivesse realmente abandonado. E eu entrei, sentei no alpendre e chorei muito, durante três horas seguidas, lembrando como era isso aqui e como estava em decadência, porque ficaria em ruínas. Fiquei muito mal com isso, e surgiu a ideia de juntar nossas forças e não deixar cair”, relembra Terciano Bezerra.
Chegando em Jucurutu, Terciano esteve reunido com seus irmãos, movido pela vontade de resgatar a memória afetiva da família, e chegaram à conclusão que iriam investir na restauração do local, para que não se transformasse em ruínas. Nenhum deles trabalhava com restaurante, mas, diante do interesse de muitas pessoas em voltar a frequentar, surgiu a ideia do empreendimento com gastronomia.
“Nas tentativas de reerguer o casarão, tivemos a ideia de transformar em lugar para visitação. Quando a gente começou a dizer que iria fazer uma pequena restauração, as pessoas que visitavam antigamente, disseram que queriam visitar, porque já tinham vínculo com o lugar. A coisa estava tomando uma proporção que a gente não imaginava, e já que iríamos gastar tanto com a restauração, pensamos em algo que tivesse algum retorno financeiro. Foi aí que surgiu a ideia de fazer o café da tarde, um café na fazenda, e desse café, surgiu o restaurante, que temos hoje”, explica Terciano.
São três irmãos que, na semana atuam nas suas respectivas profissões na cidade, mas aos sábados, domingos e feriados, estão no Restaurante Recanto da Tapera, fazendo o que seus pais faziam antigamente: recebendo pessoas com a gastronomia sertaneja e um acolhimento alegre, espontâneo, que faz o cliente sentir-se em casa, desde a primeira visita.
O casarão do Recanto da Tapera fica localizado na estrada que liga Caicó a Jucurutu, com vista privilegiada para serras, e a peculiar paisagem sertaneja do Seridó, inclusive contando com o aboio dos vaqueiros vindo da caatinga e pássaros das árvores que fazem parte da história do casarão. Com a restauração, a arquitetura antiga foi totalmente preservada. O alpendre tem pedras largas no piso e pilares largos, construídos também para garantir um seguro e agradável balanço na rede, desde 1835.
No atendimento, estão, todos os dias, os três irmãos: Tércio, Telma e Terciano. Logo no alpendre, Telma recebe os clientes com as boas-vindas, informa sobre os ambientes do restaurante, conversa de forma empática, conhecendo as preferências de cada um. Tércio é responsável por um grande diferencial do restaurante: as músicas do ambiente. Ele é funcionário público do Estado, e já atuou como músico clarinetista em filarmônica. O ouvido aguçado para boa música garante no repertório da playlist: MPB, forró de raiz e o rock nacional, mantendo o cuidado para que o volume da música não atrapalhe a boa prosa dos clientes.
Terciano, que foi o precursor na ideia da restauração, atua como professor e fonoaudiólogo durante a semana, mas, no fim de semana está no caixa, no bar do restaurante, e onde precisar; também atendendo clientes que, além da gastronomia, querem ouvir a história do casarão. Para garantir a gastronomia excelente está Geilza, esposa de Terciano, que é gastrônoma e responsável pela preparação dos alimentos, com sua equipe. Também é Geilza que organiza o buffet dos eventos, como casamentos, batizados e confraternizações. No início, era somente a família que trabalhava, mas, com dois anos de funcionamento, o Recanto da Tapera cresceu, e foi visto a necessidade de contratar profissionais como auxiliar de cozinha, caixa, auxiliar de limpeza, e garçom, gerando emprego e renda para quase dez pessoas.
Recanto da Tapera tem espaço para piscina infantil e de adulto, uma casa de taipa decorativa, e a Capela do Divino Espírito Santo, com uma placa, datada de 27 de agosto de 2021, que fala da homenagem aos antepassados.
“Uma homenagem da família Alferes da Tapera, a todos os desbravadores, construtores, trabalhadores, escravos e moradores, que por aqui passaram, desde o início do século XIX.”
Para falar sobre a construção da Capela do Divino Espírito Santo, Terciano fica emocionado, porque mesmo tendo sido construída já em 2021, a capela também é parte da história de fé da família e foi edificada a partir de um sonho de seu irmão com sua mãe.
“Meu irmão teve um sonho com minha mãe, e no sonho ela pediu que fizesse a Capela dizendo até o local para ser construído. Nossa família é tradicionalmente católica, inclusive, antes se hospedavam aqui Padre Antenor, Padre Tércio, e já havia a devoção ao Divino Espírito Santo. Minha avó e minha mãe sempre faziam alusão a fazer evento religioso, em memória dos antepassados, então, fizemos uma placa em homenagem a todos que por aqui viveram”, explica Terciano.
Hoje, além de restaurar o casarão, os três irmãos conseguiram fazer ampliação no terreno ao redor, construíram um ambiente exclusivo para cozinha industrial e buffet, banheiros, e deram destaque às antigas árvores frutíferas, ampliando o espaço para refeição, de forma que os visitantes podem almoçar no alpendre do casarão, em dois setores com palhoça ou em dois outros setores, na sombra das árvores, que também são um marco do lugar.
“Aqui queremos somente árvores nativas da região, como pés de cajarana, seriguela, acerola, caju, e coqueiros, mangueiras”, comenta Terciano.
O próximo passo dos irmãos é fazer da sala do casarão um memorial da família, com fotografias e objetos que contam a memória afetiva que tanto os fortalece, bem como, as artes em madeira, de Tércio. Quando relembra o começo deste resgate à memória de seus pais e demais antepassados, Terciano olha ao redor e diz que é muito além do que ele imaginava fazer naquele dia que chorou no alpendre do casarão deteriorado.
“É muito além do que imaginamos que seria. A gente não deixou a história morrer e ainda criou um ambiente acolhedor e próspero, sem mexer na estrutura do casarão, porque é uma casa histórica, de quase 200 anos. Recebemos visitantes daqui do Estado e de Estados vizinhos como a Paraíba. Também vem muitos historiadores, pesquisadores, e pessoas que já conheciam e hoje moram distante, mas quando vem aqui, se emocionam. A gente se encanta com este reconhecimento”, conclui.
Mais informações do Restaurante Recanto da Tapera, siga no instagram @recantodatapera.
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Essa reportagem faz parte do projeto "Saiba Mais de perto", idealizado pela Agência SAIBA MAIS, e financiado com recursos do programa Acelerando Negócios Digitais, do ICFJ/Meta e apoio da Ajor.
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